sábado, 21 de agosto de 2021

Crónicas da II Grande Guerra – um acidente aéreo em Loriga [M2268 - 56/2021]

 



Já nem sei há quanto tempo guardo, nem tão pouco como o arranjei, este recorte de uma edição do Correio da Manhã, de 2 de Abril de 2001, há tanto tempo que, na altura em que o arranjei não pensava sequer em entreter-me a escrever sobre este tema, um pouco tétrico, dirão alguns.


 


Talvez por me dedicar há algum tempo ao tema dos aviation wrecks&relics, um bocadinho por arrasto, e sobretudo a partir do meu escrito “Açores - Contingências da sinistralidade”, surge a temática dos locais de acidentes aéreos, túmulos e memoriais, nomeadamente do período da 2ª Grande Guerra, temas aos quais tenho dedicado alguma atenção, como por certo, os leitores mais perspicazes, já terão reparado. 

Aqui há uns meses, e em viagem de férias pelo centro do país (começo aqui a encontrar um padrão nos meus escritos), desenhei um percurso que passasse por Loriga, caminho que faria de qualquer maneira, já que, gosto muito de conduzir em estradas nacionais, quanto menos percorridas melhor, onde me deixo levar pelo seu encanto, das coisas simples da paisagem, a vegetação e a orografia, a organização desorganizada do território, do caminho feito aos “esses”, e as pessoas, com que nos cruzamos no caminho. Por isso, lá me apeei do asfalto lisinho das autoestradas, e fui pelas curvas e contracurvas, de Viseu, Nelas, Seia, até Loriga (não vos vou maçar com o percurso todo). Assim fiz, fui lá prestar devida homenagem a estes aviadores.

Loriga é um dos muitos pontos de passagem “obrigatória”, para quem se interessa pela história da aviação da 2ª Grande Guerra. Com efeito, a História da 2ª Grande Guerra passou por Loriga, quando pouco depois da meia-noite do dia 22 de Fevereiro de 1944, despenha-se a poucos quilómetros a Norte desta aldeia, em plena Serra da Estrela, numa encosta conhecida por Penha do Gato (1500m), um Lockheed Hudson Mk.VI, aparelho com o registo EW906/NO-P (c/n 42-6615), do 48th (RAF) Squadron, vitimando os seus seis ocupantes.  

Testemunho interessante, as fotos, que também perpectuam o momento. 
Fonte: internet (ver referências)

As diferentes fontes referem estar na origem do acidente a baixa visibilidade e a pouca altitude do aparelho, tendo nele perdido a vida a tripulação de quatro e mais os dois passageiros, que aproveitaram a boleia desde Gibraltar, deste voo destinado a Inglaterra.
Segundo a bibliografia consultada, os corpos dos militares foram transportados para a aldeia e colocados em caixões, velados na Capela de Santo António, seguindo-se no dia seguinte o funeral, para o cemitério local, em cortejo, a que não faltaram as autoridades e a população local, representantes ingleses, e até, o acompanhamento musical da banda de música local.


                            Tripulação
                            Lieutenant    J Barbour (SAAF)
                            Captain Robert Taverner Hildick (SAAF)   
                            Lieutenant J.P. Thom (SAAF)
                            Lieutenant Daniel De Waal Walters (SAAF)

                            Passageiros
                            Corporal Jack Learoyd Walker (RAF)
                            Corporal Henry Ernest Hedges (RAF)



Actualmente os túmulos apresentam a tipologia das CWG mas isso não foi sempre assim, já que estas pedras tumulares só foram aqui colocadas a 17 de Junho de 1951, não chegando a saber qual o tipo de sepulturas existentes entre 1944 e essa data, supondo-se que só a vedação seja original. Em 1972, uma doente mental por aqui andou a fazer alguns (des)arranjos no cemitério, acabou por destruiu três destas lápides que, dois anos depois, foram substituídas pela CWG, que enviou pedras novas, através da Embaixada Britânica. 

Apesar de estarem longe, estes túmulos são visitados desde longa data e com alguma regularidade, quer por familiares, pessoas anónimas e visitantes oficiais das comunidades sul africana e inglesa, no Dia de Todos os Santos, mas em especial no Remembrance Day.

Encontram-se várias referências na internet sobre a vontade de perpectuar a memória do acidente erigindo alguma espécie de memorial alusivo no local onde caiu o avião, a Penha do Gato, neste sentido, a 1 de Maio de 2014, foi erigido um pequeno memorial no local, após romagem e missa campal.  

Mais ainda, em 2019 estava em curso uma alteração a um dos percursos pedestres locais para contemplar a passagem pelo local do acidente, local onde aliás já existe há algum tempo também um Geocache.

Fico sempre com pena de não haver grandes ou nenhuns vestígios destes aparelhos, uma espécie de relíquias, que há semelhança de outros locais, lá acabam por aparecer, pois há sempre alguém que recolhe um pedaço do avião. Conhece-se também aqui, a existência, de três artefactos pequenos do aparelho: um pedaço de tecido, uma munição e uma esfera, sem se ter uma correcta relação de onde seriam. 

Quanto ao avião, ao que se julga saber, e como tantos outros pelo país fora, foi sucateado. Aqui, reza a “lenda”, o dinheiro angariado com a venda da sucata, reverteu para a edilidade, tendo sido utilizado para obras de pavimentação da rua principal da aldeia, a Rua Gago Coutinho, … "e esta, hein?"


Rui “A-7” Ferreira
Entusiasta de Aviação

Nota – O autor não escreve segundo o actual acordo ortográfico.




Fontes / Referências

“Aterrem em Portugal” de Carlos Guerreiro (ver também http://aterrememportugal.blogspot.com) 

Junta de Freguesia de Loriga - https://www.jf-loriga.com/queda-do-aviao/  ; http://www.loriga.de/memorias.htm

Commonwealth War Graves Comission - https://www.cwgc.org/visit-us/find-cemeteries-memorials/cemetery-details/2086509/LORIGA%20CEMETERY/

Galicia en La Segunda Guerra Mundial - http://galiciaenlasgm.blogspot.com/2015/02/lhudson-ew916-2221944.html

IPMS (NL) -  https://www.ipms.nl/artikelen/nedmil-luchtvaart/vliegtuigen-l/vliegtuigen-l-lockheed-hudson

History of War - http://www.historyofwar.org/air/units/RAF/48_wwII.html




Este cemitério integra a estrutura mundial da Commonwealth War Graves Commission, conhecendo-se em Portugal 119 sepulturas distribuídas da seguintes forma, 





Loriga (6)


Portimão (1)


Porto (11) - Oporto St. James Cemetery [parte 1][parte 2].





3 Comentários:

Carlos Guerreiro disse...

Excelente trabalho.

A esta longínqua localização ainda não tive a possibilidade de me deslocar... ficará para outras voltas.

Um abraço,
Carlos Guerreiro

Armando Pinto disse...

“Loriga é um dos muitos pontos de passagem “obrigatória”, para quem se interessa pela história da aviação da 2ª Grande Guerra, mas para aqui vir tem mesmo de se vir de propósito. Será daqueles locais por onde não passou Cristo, o “velho” Júlio César, nem o Capitão Kirk, nas suas deambulações siderais pelo cosmos profundo que, como se sabe, vai de Contumil até ao Grande Nada. E, ainda que não tenha passado por lá ninguém importante, a História da 2ª Grande Guerra passou por Loriga…”
Espanto-me! Cristo parou em Eboli, escreveu Carlo Levi. Mas entrou em Loriga, há muito. Bastaria conhecer a história. Não passou por lá ninguém importante? Muito sabe o blogger a quem apetece perguntar o que será uma pessoa importante.
Cheguei aqui quando me procurava informar sobre a queda, no mesmo dia, de outro avião, igualmente com 6 ocupantes, não sei se com alguém à boleia. Sei que, no total de 13, iam ser transformados em aviões de transporte para poderem ser integrados na Operação Overlord.

Corsário de Segunda disse...

Caro Armando Pinto,
Não pretendendo entrar aqui num debate de ideias sobre o tema da forma e do conteúdo da peça que escrevi e que o Pássaro de Ferro acedeu a publicar, venho, numa primeira instância, agradecer o seu interesse no meu trabalho.
Relativamente à razão da sua busca, s.m.o. e pelo menos no território nacional, só posso sugerir a consulta das publicações em livro e na internet, do Carlos Guerreiro, e demais publicações referidas no texto.
Quanto à forma como escrevo, agradeço a sua opinião e, num espírito de abertura e respeito pelos leitores do Pássaro de Ferro, irei submeter à consideração da direcção o ajuste ao texto que entendam por bem fazer.
Em oportunidade, endereço-lhe as minhas mais cordiais saudações aeronáuticas, o meu pedido de desculpas pelo melindre.
Rui Ferreira

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