domingo, 29 de dezembro de 2013

Alpoim Calvão (M1351 - 09JM/2013)

Comprei este Natal a biografia do Alpoim Calvão, que ainda não tinha tido a oportunidade de ver com atenção. Devo dizer que os três autores fizeram um bom trabalho de investigação e que o Alpoim já merecia uma biografia desta envergadura. Portanto, para quem gosta vale a pena comprar. Apresenta alguns episódios que envolvem a FAP, mas nada de especial. No entanto, à medida que fui lendo o livro reparei em algumas coisas mal fundamentadas e que deixo aqui a jeito de crítica.


1- Operação Tridente – As conclusões a que os autores chegaram a respeito do sucesso desta operação parecem-me exageradas e mal fundamentadas. O grande objectivo da operação era expulsar a guerrilha do arquipélago do Como, na Guiné, objectivo esse que não foi alcançado, embora as tropas portuguesas tenham limitado de forma significativa a acção da guerrilha nessa zona. Como se sabe, e é referido pelos autores na p. 83, o Exército decidiu deixar uma companhia na mata do Cachil, a norte da ilha do Como, com a missão de controlar as margens do rio Cobade, muito importante no abastecimento a Catió. No entanto, não seria preciso esperar muitos dias para ver esta companhia ser atacada pelos guerrilheiros, provando assim que estes nunca tinham abandonado efectivamente a ilha. Estranhamente, este facto não é referido pelos autores no livro? Penso que seria mais correcto dizerem que apesar da quantidade de meios envolvidos na Tridente, o seu sucesso foi limitado ao período em que decorreu a operação, pois a guerrilha nunca saiu completamente do Como, embora tenha perdido a capacidade de acção que tinha anteriormente. Assim seria mais correcto.

2- Insistindo na teoria que a operação foi um sucesso, publicam mais à frente na p. 86, uma carta famosa do Nino Vieira a pedir ajuda a outros chefes da guerrilha, e usam a carta como prova do sucesso operacional da Tridente, desvalorizando assim os descrentes no sucesso da operação. Ora, a carta do Nino Vieira, não prova o sucesso final da operação. O que a carta prova é que a guerrilha estava a passar grandes dificuldades ao fim de 48 dias de combates e que nem sequer conseguia retirar da ilha, como o Amílcar Cabral tinha ordenado. Portanto, a Tridente estava a surtir efeito, agora os guerrilheiros nunca chegaram a retirar. Sabemos hoje pelo testemunho do Agostinho de Sá, que os guerrilheiros decidiram ficar juntamente com a população. É possível que se a operação tivesse continuado, a guerrilha acabasse por ceder e fugisse da ilha juntamente com a população, mas não foi isso que aconteceu.

3- Sobre a Mar Verde. Fazem uma boa descrição da operação com algum exagero na parte dos MiGs. É claro que os MiGs foram o factor chave da operação e a sua não localização e destruição implicou a retirada das forças. Contudo, uma das fontes usadas no livro (o Alpha Diallo), refere claramente nas suas memórias, uma conversa que teve nessa noite com o chefe da Força Aérea Guineana (capitão Sylla Ibrahima) e que este lhe disse que os MiGs não estavam operacionais. Sabe-se hoje também por uma fonte cubana (Humberto Trujillo Hernández, El Grito del Baobab, Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2008), que houve de facto um MiG que descolou de Labé para tentar interceptar as forças portuguesas ao início da manhã. Pilotado pelo tenente Hady Canté, o MiG-17 sobrevoou a capital guineana a baixa altitude por volta das nove da manhã, quando as forças portuguesas já tinham embarcado, e detectou na baía de Conakry um barco que julgou ser inimigo. O piloto abriu fogo de canhão sobre o navio que na verdade era o cargueiro cubano, Conrado Benitez, provocando ferimentos num membro da tripulação. Depois deste episódio, o piloto ainda sobrevoou a grande altitude a força naval portuguesa, mas nada fez. Portanto, na p. 244 quando é referido que a força naval foi sobrevoada por uma parelha de MiGs, isso não corresponde à realidade, foi apenas um MiG.

4- Finalmente na p. 311, a afirmação de que o PAIGC estava em 1973 cansado de lutar e que vários dos seus dirigentes queriam negociar com os portugueses para terminar o conflito. Esta ideia é baseada num encontro que o coronel Vaz Antunes teve na fronteira norte da Guiné (já no Senegal) com um elemento do PAIGC em Junho de 73. O relato deste encontro é reproduzido no livro (pp. 540-546). Mas como se pode ver pelo relato do coronel Vaz Antunes, este contacto foi apenas com um elemento do PAIGC, que não representava a direcção do PAIGC. Aliás, o próprio guerrilheiro diz que não se entende com a cúpula política do partido, que é cabo-verdiana e comunista. Portanto, concluir deste simples contacto que a guerrilha estava cansada de lutar e queria negociar é um exagero que é veiculado no livro. Aliás, desde de Junho de 73 até Maio de 74, a guerrilha continuou a combater na Guiné, não havendo sinais que quisesse negociar.



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