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“As mulheres contra-atacam!” - Protestos anti-nucleares
Outubro de 1983. Base de Greenham Common, Inglaterra. Mensagem urgente para a 501st Tactical Missile Wing. Alarmes soam e ecoam por entre os muros de betão dos bunkers enquanto soldados, técnicos de mísseis e forças especiais correm para os seus veículos – duas baterias de “Glick-em” recebem ordens para sair imediatamente. Cada segundo conta. Pode ser um treino. Mas também pode ser o derradeiro início de um conflito nuclear entre o Pacto de Varsóvia e a NATO. È imperativo que a bateria saia de Greenham o mais rápido possível – um SS-20 Saber russo pode estar a caminho. O primeiro veículo a chegar ao portão da base é um HMMWV, mais conhecido por “Humvee”, seguido de um veículo blindado e vários lançadores-transportadores. Mas o impressionante comboio de veículos não avança muito. Milhares de mulheres bloqueiam a estrada, cantam e tocam buzinas numa acção de protesto contra a presença dos malvados “imperialistas americanos”. Centenas de protestantes deitam-se na estrada, bloqueando totalmente a passagem. Nenhum militar sai dos veículos, a pouco invejável responsabilidade de desbloquear a situação está nas mãos da policia inglesa, que faz o melhor para retirar individualmente cada protestante – uma tarefa tão ingrata como impossível. Um jovem soldado americano, motorista de um camião MAN 8x8 de 10t, comenta jocosamente (ou talvez não) com o seu superior, sentado á sua direita;
- Sir, I could just run over them…
- Stand fast Private, stand fast – responde o Tenente num tom muito pouco convincente….
Protestos como este bloqueio de estrada em Inglaterra fizeram parte de um movimento que ganhou considerável força nos anos 70-80. Em alguns países Europeus a pressão foi tão grande que fez vários líderes políticos hesitar em receber armas nucleares no seu território por receio de protestos semelhantes e perda de apoio popular.
Protestos como este tornaram-se comuns desde que um “acampamento da paz” improvisado foi criado á porta da base Inglesa. Os residentes deste campo, quase exclusivamente composto por mulheres, pertenciam ao crescente movimento anti-nuclear que florescia na Europa Ocidental. O objectivo destes protestos? Forçar a NATO a abandonar os planos de localizar as baterias de BGM-109G Gryphon na Europa – bem como os Pershing 2. Curiosamente, ou talvez não, estes zelosos activistas não viam necessidade de exigir o mesmo às autoridades Soviéticas, ou seja, o abandono dos mísseis balísticos SS-20 Saber apontados ás cidades Europeias... Bruce Kent, um dos líderes do movimento afirmou sobre os “Glick-em”; “Não acrescentam nada á nossa segurança, mas aumentam a nossa insegurança”. Na realidade, os “Glick-em” (e seus os primos estratégicos, os Pershing 2) não desestabilizavam a NATO. Pelo contrário, criavam instabilidade na direcção contrária – na União Soviética. Estas armas eram uma demonstração de força do Ocidente, mostrava que não iria ceder perante os Russos e convenceram o Kremlin que a NATO não se iria intimidar com ameaças.

Este tipo de protestos políticos tornaram-se comuns nos anos 80, não só na base de Greenham Common como também nas restantes bases que acomodavam os “Glick-em” na Bélgica, Holanda e Alemanha. Apenas as baterias baseadas na base de Comiso na Sicília, uma localidade relativamente isolada dos centros populacionais, escapou á atenção dos activistas.
E foi esta realização que abriu caminho ao início de conversações sérias sobre o acordo INF (Intermediate-range Nuclear Forces – Tratado de Armas Nucleares de Médio-alcance) que iria, eventualmente, remover toda uma classe de armas nucleares dos arsenais das super-potências. Essas conversações, que se iniciaram em 1981, só começaram a ganhar corpo a partir do momento que os “Glick-em” surgiram operacionalmente na Europa. A posição da administração de Ronald Reagan era simples; “zero-zero” – eliminação total de todas as armas nucleares de médio-alcance, NATO e Pacto de Varsóvia. Moscovo concordava com a primeira parte… mas nem tanto com a segunda. Sugeriram limitar o número de ogivas a 300, mas incluindo a França que nem era sequer membro da NATO. Outra proposta cínica foi a de basear os mísseis SS-20 Saber para lá dos Montes Urais – só que a mobilidade dos lançadores permitia a rápida deslocalização em tempos de tensão. Nem pensar. Enquanto estas discussões continuavam a pressão dos protestos anti-nucleares em vários países Europeus (alguns desses grupos patrocinados por Moscovo) aumentava e os Soviéticos acreditavam que o tempo estava do lado deles. Mas a NATO manteve-se firme e em 1983 a quase totalidade das baterias de “Glick-em” e Pershing 2 estava operacional. Perante isto, os Russos “amuaram” e abandonaram as conversações no final de 1983 e durante todo o ano de 1984 não deram sinal de vida.

Não deixa de ser irónico reflectir sobre as sinceras preocupações destes activistas. Mas acabam por protestar contra as únicas armas que os protegiam de um ataque nuclear Russo. Não foram estes protestos que convenceram o Pacto de Varsóvia a destruir as suas armas nucleares de médio alcance – foi a presença dos “Glick-em” e dos Pershing 2 que os obrigou a isso.
Eventualmente, Moscovo cedeu e concordou em regressar à mesa de negociações em 1985. Sem entrarmos em muitos detalhes sobre os avanços e recuos das diferentes propostas apresentadas nos meses seguintes, o importante é que em Fevereiro de 1987 Gorbachev aceitou a proposta americana “zero-zero”. Isto incluía desmantelar dos “Glick-em” e Pershing da NATO bem como os SS-20 Saber, os SS-4 Sandal, SS-5 Skean, SS-12 Scaleboard e SS-23 Spider do Pacto de Varsóvia. E mais. Os Russos concordaram com um protocolo de verificação sem precedentes, que incluía verificações mútuas da destruição das armas. Talvez a situação económica periclitante na União Soviética tenha sido determinante para este desfecho assim como a determinação de Ronald Reagan de injectar milhares de milhões de dólares no programa SDI (Strategic Defence Initiative – o famoso “Star Wars”), que os Soviéticos não podiam acompanhar, seja em termos tecnológicos ou económicos.

O sarcasmo dos Americanos no seu melhor. De facto, a melhor forma de garantir a paz foi a determinação da NATO em não ceder perante o crescente poderio nuclear Russo nos anos 70.
Este acordo também validou a estratégia da NATO de implantar os “Glick-em” e Pershing na Europa. Demonstrou de forma convincente a seriedade do compromisso americano com a segurança dos parceiros da NATO e a solidez da solidariedade da Aliança. O acordo INF foi assinado em 1987 e, a partir daqui, as coisas aceleraram rapidamente, especialmente após a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética. Em Maio de 1991 todas as armas nucleares de médio alcance – que durante muitos anos amedrontaram milhões de pessoas - estavam reduzidas a um grande monte de (muito cara) sucata.
Infelizmente, o tratado INF foi sendo lentamente esvaziado nos últimos 15 anos e acabou por ser completamente ultrapassado por eventos recentes.
Mas isso é história para outro dia.
Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro