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Pershing 2, o “sniper nuclear” da NATO
Como já analisamos, a resposta da NATO á ameaça do SS-20 Saber foi dupla. Uma foi o míssil de cruzeiro BGM-109G Gryphon, que mais não era do que a adaptação terrestre de uma arma já existente, o famoso Tomahawk. A segunda resposta, curiosamente, também resultou de um aperfeiçoamento radical de outra arma, o míssil balístico de curto-alcance MGM-31 Pershing. Este míssil era capaz de atingir um alvo a cerca de 700km de distância com uma ogiva W50 de 400Kt com precisão de 400 metros – “not great, not terrible”. O problema é que esta potente ogiva dificilmente poderia ser usada num contexto Europeu sem provocar baixas civis assustadoras e impensável destruição nos centros populacionais e industriais – não esquecer que uma das funções destas armas era deter as divisões mecanizadas Soviéticas, o que implicava o seu uso perto das fronteiras ou mesmo em território Alemão. Além do mais, o SS-20, com os seus 5000km de alcance, 3 MIRV com precisão semelhante e grande mobilidade, era uma ameaça incontornável. Era necessária uma resposta mais credível.

Lançamento de um Pershing 2 de teste em 1983. Perfeitamente identificáveis os dois estágios e o RV (Reentry Vehicle) com o cone dieléctrico na extremidade frontal – “transparente” para as ondas de radar do sistema de comparação terminal mas suficientemente resistente para suportar o calor da reentrada atmosférica.
A Martin Marietta fez aquilo que muitos (irritantemente) gostam de apelidar “pensar fora da caixa”. Para melhorar o alcance, e sem alterar as dimensões do míssil, os dois estágios dos motores foram profundamente redesenhados e melhorados, principalmente o “booster”. Foi também utilizado um novo combustível sólido de maior energia e densidade (cortesia do míssil terra-ar Patriot) e, para criar mais espaço, toda a estrutura dos depósitos foi construída com Kevlar. O resultado foi um aumento radical do alcance para 1800km (os Soviéticos acreditavam que era de 2500km), apesar de manter as mesmas dimensões e utilizar os mesmos veículos de transporte e lançamento. Mas o maior avanço tecnológico não era esse. A ogiva W50 de 400Kt foi substituída por uma W85 de potência variável entre 80Kt e uns “míseros” 5Kt. Qual seria a utilidade de uma ogiva nuclear de tão baixo rendimento? Bem, conforme já vimos nos textos anteriores, a lei do inverso do quadrado demonstra que uma ogiva com maior precisão necessita de (muito) menor potência para atingir o mesmo resultado. Um dos exemplos mostrava que um melhoramento de 50% na precisão (550m para 275m) permitia a redução da ogiva numa proporção de 10 (1Mt em vez de 10Mt). E foi isso que a Martin Marietta conseguiu, encolheu os respeitáveis 400 metros de precisão do Pershing (semelhante ao SS-20) para uns insignificantes 30 metros! A forma como esta precisão foi conseguida é melhor demonstrada no diagrama abaixo;

O que a Martin Marietta conseguiu criar no Pershing 2 foi agregar ao habitual sistema de navegação inercial (comum nos mísseis balísticos, como o Saber) um sensor guiado na fase terminal. Depois de esgotados os dois estágios de propulsão o RV, ou veículo de reentrada, alinha a ogiva durante a fase de médio-curso (onde atinge Mach 12) e prepara a reentrada na atmosfera. Na fase terminal, a cerca de 15000 metros de altitude, o RV executa uma manobra para reduzir a velocidade e activa o radar de mapeamento do terreno. O radar realiza varrimentos sucessivos em intervalos programados, o computador compara essas leituras com as imagens do alvo guardadas na memória e ajusta constantemente a trajectória até que ambas coincidam.
Este nível de precisão, aliada ao curto tempo de reacção e velocidade (apenas seis minutos de voo para atingir um alvo a 1800km), transformava o Pershing 2 numa arma particularmente temível para os Russos. Permitia ataques devastadores de “decapitação” nos centros controlo e comando (e políticos) do Pacto de Varsóvia. E isto preocupava seriamente os líderes Russos, dada a centralização de poder e das linhas de comando extremamente rígidas e burocráticas das estruturas militares comunistas. Esta velocidade - de voo e de reacção - tornavam-no também numa excelente arma para eliminar alvos que exigiam um tempo de resposta imediato, como formações blindadas em movimento, bases aéreas, bunkers e até navios e submarinos (particularmente os SSBN) ainda ancorados.

O alcance de 1800km exigia que todos os 108 Pershing 2 fossem localizados na Alemanha Federal, o mais perto possível das fronteiras do Pacto de Varsóvia. Especificamente, 36 (mais 4 sobressalentes) em Schwaebisch-Gmeund, 36 (mais 4) em Neu Ulm, 36 (mais 4) em Waldheide-Neckarsulm e mais 12 de reserva em Weilerbach.
As capacidades conjuntas dos 464 mísseis de cruzeiro “Glick-em” e dos 108 mísseis balísticos Pershing 2 ofereciam á NATO enorme capacidade de dissuasão, credibilidade na resposta e flexibilidade de opções. Por um lado, o grande alcance dos mísseis de cruzeiro permitia que ficassem baseados longe das fronteiras (o que aumentava a sobrevivência) mas a velocidade relativamente baixa traduzia-se num voo que podia chegar a 3 horas. Por outro lado, o míssil de cruzeiro é a arma nuclear “stealth” por excelência; o lançamento discreto e o voo a altitude muito baixa tornam a detecção particularmente difícil – ideal para ataques surpresa. Em contraste, o menor alcance do míssil balístico Pershing 2 significava que ficaria localizado em zonas de maior risco mas compensaria pela enorme velocidade, entre Mach 10-12 na fase de médio-curso, que dificultaria (ou impossibilitaria?…) qualquer tentativa de intercepção. Em oposição aos mísseis de cruzeiro, os balísticos são tudo menos “stealth”. O lançamento e trajectória balística denunciam imediatamente estas armas perante radares especializados (alguns em satélites) de longo alcance.

O RV, com a ogiva W85 a bordo, a milissegundos do impacto. A precisão demonstrada nos testes superou as expectativas mais optimistas embora o sistema de reconhecimento por radar exigisse alvos com forte eco electromagnético.
Conforme Harold Brown, Secretário de Defesa dos EUA; “a entrada em serviço da dupla mista míssil de cruzeiro/míssil balístico protege contra qualquer limitação ou falha de um dos sistemas, oferece a flexibilidade de escolha da melhor arma para cada missão e complica enormemente o planeamento inimigo.” Os “Glick-em” e os Pershing 2 representavam também a superioridade tecnológica da NATO. Tecnologia que os Soviéticos eram incapazes de duplicar; particularmente os sofisticados sistemas electrónicos de navegação e aquisição de alvo destas armas.
Assim sendo, qual seria a resposta Russa perante esta ameaça?
Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro