sábado, 29 de maio de 2010

Experiências com um Vampiro (M380-2RF/2010)

Não por ter sucumbido à onda de filmes e de telenovelas de vampiros, que diga-se em abono da verdade é uma espécie de humanos muito incompreendida e para além do mais excluída, a verdade é que esta prosa foi desencadeada pela foto inclusa, que um amigo me pediu para digitalizar.


Nela podemos ver um Vampire de registo militar inglês VZ831 estacionado da placa da Base Aérea nº1, em Sintra.

Segundo julgo saber, este aparelho, um Vampire F.B.5, foi construído na fábrica da De Havilland em Hatfield, no Reino Unido, encontrando-se pronto para voo a 30 de Junho de 1950.
Teve a sua primeira aparição nas corridas aéreas ocorridas no mês seguinte, em Sherburn-in-Elmet, aos comandos do piloto de testes da De Havilland, John Derry, que terminou a prova em segundo lugar. Curiosamente este aparelho terá sido o substituto de última hora do prototipo do Venom de registo VV612, que por falha de motor não pode participar.
Ainda antes da entrega à RAF, integrou a exposição estática da De Havilland no SBAC Air Show, em Farnborough, entre 5 e 10 de Setembro de 1950.
Foi dado à carga da Unidade de Manutenção No.5 da RAF, em Kemble (Cirencester, Gloucestershire) em 6 de Outubro de 1950.
Seguiu para Lisboa, para demonstrações de voo na Aeronáutica Militar Portuguesa, de 14 a 19 de Julho de 1950, altura em que regressa ao No.5 MU (Unidade de Manutenção).
A 8 de Janeiro de 1951 é dado á carga do Esquadrão No.602 (City of Glasgow), da Royal Auxiliary Air Force, baseado em Abbotsinch (actual Aeroporto Internacional de Glasgow).
A 7 de Junho de 1953 ocorre um problema com a bússola durante um voo de treino, e dada a incerteza quanto à sua posição, o piloto, Pt. Off. W M Agnew, aterrou de emergência num terreno a 2 milhas a Norte de Prestwick, já sem combustível, dafinicando gravemente o aparelho.
Este foi posteriormente foi recebido no No.63 MU (Unidade de Manutenção), não tendo sido reparado, consequentemente abatido à carga da RAF, em 30 de Junho de 1953.

Mais não tive curiosidade de saber, pois já este bocadinho foi mais do que estava à espera. Contudo, fica por esclarecer o que afinal andou este jacto a fazer pela Lusitânia?
A resposta encontrei-a, com a ajuda de um amigo, em duas publicações, que referem à passagem deste aparelho por Portugal.



A Royal Air Force iniciou a operação com jactos ainda durante a Segunda Grande Guerra, com a introdução do Gloster Meteor, tendo o primeiro De Havilland DH100 Vampire Mk.I entrado em serviço apenas em 1945. Com a sua entrada em operaçãoe até ao início dos anos 50, a De Havilland produziu mais de 3.200 aparelhos, em 15 versões diferentes, não só para serviço no Reino Unido mas também outros países, como a Venezuela, a França, a Itália, a Suíça, a Noruega, a Suécia, e boa parte dos países da Commonwealth.

Neste contexto, trouxe a De Havilland a Portugal, e a convite deste, um DH100 Vampire para 4 dias de demonstrações de voo, para avaliar das potêncialidades e interesse de vir adquirir o mesmo modelo para a aviação militar, no caso, a Arma de Aeronáutica do Exército.
Desta forma, a 14 de Julho de 1950, um De Havilland Vampire F.B.5, registo RAF VZ831, pilotado por John Derry, parte do aeroporto de Hurn, em Londres, rumo ao aeroporto da Portela, em Lisboa, efectuando um voo sem escalas onde chegou depois de 2 horas e 14 minutos, tendo percorrido uma distância de 1.452 kms, a uma velocidade média de 651 km/h.

A principal demonstração de voo teve lugar apenas no dia 17 de Julho, após o que o aparelho se dirigiu para a Base Aéra de Sintra. A estas demonstração e seguintes, marcaram presença diversas entidades aeronáuticas civis e militares portuguesas, de onde se destaca a presença de ministros, como o da Guerra, Comunicações, Marinha, e do Interior, bem como diversos Adidos Aeronáuticos, para além de inumeros militares.

Se fizermos o exercício mental de recuar no tempo, podemos imaginar que o ruído dos aparelhos a jacto, algo que seria ainda considerado estranho nas lusitanas paragens, fez acorrer ao Aeroporto de Lisboa muitos populares que, habitualmente pasmados com a "cousa do ar", mais o ficaram perante este pequeno e estridente jacto da De Havilland, que debitava as suas 1362kg de potência da sua turbina "Goblin II". Ao que parece, diz uma das fontes, foi mesmo preciso organizar as hostes, e diversos autocarros despejaram junto do aeroporto algumas centenas de pessoas que, curiosas, queriam assistir ao fenómeno, o que veio a acontecer nos diferentes dias em que tiveram lugar as exibições.

Outras demonstrações de voo tiveram lugar, como se disse, em dias seguintes, mas desta vez, e particularmente nas duas seguintes, o "Vampiro" tinha aos comandos pilotos portugueses, da Arma de Aeronáutica do Exército, nomeadamente o Tenentes Hildo Faria de Queiroz, que efectuou um voo de 36 minutos no dia 17, e o Tenente João Zorro Rangel de Lima, a 18 de Julho.
Como este "Vampiro" era monolugar, a formação foi dada com os pés assentes no chão, mesmo assim os dois pilotos da Aeronáutica Militar puderam experienciar o voo com deste aparelho, e sobre o qual teceram os mais escancarados elogios à sua performance. Desde logo se destaca que, a formação de voo para os pilotos portugueses foi dada pelo piloto da marca, e a largada a solo muito simples, pelo que rápidamente os pilotos aprenderam as necessárias diferenças e o puderam experimentar em manobras diversas, desde a descolagem subindo rápidamente aos 12.000 pés, à perda, loopings, "Immelman", "tonneaux", e outras que não descreveram, chegando a acelerar até a Mach 0,72!
Nas palavras do Ten. Rangel de Lima, à Revista do Ar, quando questionado sobre a sua impressão do voo "Vampire", refere que «Um motorista... que toda a sua vida tenha guiado uma D. Elvira velha, sem mudanças sincronizadas, cheia de ruídos e em seguida, pegue num moderno automóvel de luxo, sente a mesma sensação que eu senti quando comecei a ganhar altura no "Vampire".»

Na manhã do dia 19 de Julho, John Derry volta a fazer uma demonstração de voo, terminando com isso a os quatro dias passados em Portugal, e na tarde desse mesmo dia, efectua o voo de Lisboa à base da De Havilland em Hatfield, percorrendo uma distância de 1600 kms, a uma velocidade média de 717 km/h, tendo atingido a costa inglesa após 1H57M de voo.

As conhecidas alterações à estrutura das Forças Armadas, em anos seguintes, nomeadamente com a criação em 1952 da Força Aérea Portuguesa, que aglutinou e fez extinguir os ramos de aeronáutica da Marinha e Exército, tomaram um rumo diferente no que concerne á aquisição de aparelhos a jacto, pendendo a opção de então por um aparelho norte-americano, o Republic F-84 Thunderchief. Ainda que, como se sabe, tenham sido adquiridos em 1952 dois DH115 Vampire T.55, para a conversão de pilotos, que não tiveram grande uso.




John Derry, nasceu no Cairo a 5 de Dezembro de 1921, tendo feito os seus estudos em Inglaterra, alistou-se na Royal Air Force como operador de rádio e metralhador, voando em Wellingtons e Hudsons. Em 1942 segue para o Canadá onde tira o curso de pilotagem. É integrado no Esquadrão 182 em 1944, a voar Hawker Typhoons em missões de apoio de fogo ás operações nos Países Baixos. Serviu também no Esquadrão 181 e mais tarde chegou a comandar o 182. Recebeu a Distinguished Flying Cross.
Inicia-se como piloto de testes da Supermarine, e em 1947 foi admitido na De Havilland Aircraft Co. Ltd., tendo feito desde então muito do seu trabalho centrado no projecto do DH108, ainda que tenha voado muitos dos diferentes aparelhos De Havilland em teste de voo ou demonstrações como foi o caso do DH100 Vampire (diversos modelos), DH110 Sea Vixen, DH115 Venom (primeiro voo do primeiro protótipo).
Recebeu o "nick" de John Faster Than the Sound Derry, por ter sido o primeiro piloto britânico a bater a barreira do som, quando a 6 de Setembro de 1948, perdeu o controle do seu aparelho (DH108) após este ter entrado em velocidade supersónica, durante uma descida em voo picado dos 40.000 aos 30.000 pés. Embora se tenha apercebido da velocidade no indicador de velocidade Mach, os sistemas de registo dos parâmetros de voo não estavam a registar.
Em 12 de Abril de 1948, com o terceiro protótipo do DH108 Shallow, equipado com um motor Goblin IV, estabeleceu um novo recorde de velocidade em circuito fechado (100km / 62.1 milha), de 974km/h (605.23 mph).
Chegou a Chefe dos Piloto de Teste da De Havilland.
Faleceu a 6 de Setembro de 1952, num acidente durante uma demonstração de voo de um DH110 Sea Vixen, no Farnborough Air Show, quando o aparelho se partiu em voo devido a uma falha no design estrutural do aparelho, tendo daí resultado a morte dos dois tripulantes e diversos mortos e feridos nos espectadores.

Agradecimentos
Andy Marden
David Watkins
Fernando Moreira
Sérgio Couto

Fontes
Revista do Ar nºs 140-141 Junho-Julho 1950;
Lisbon Courier - 1/VIII/50
Wikipédia

3 Comentários:

António Luís disse...

Excelente documento!
Obrigado.
O "Comandante"

Paulo Mata disse...

O Pássaro de Ferro não podia passar à margem da onda de vampiros :)) Grande artigo Rui!

Corsário de Segunda disse...

Obrigado a ambos!
Aqui vai um dos comentários que recebi e mo permitiram aqui colocar...

«Caro Rui Ferreira
Gostei de ler a sua exposição sobre o Vampire a qual me trouxe recordações dos meus desassete anos. Eu fui para a Portela assistir á chegada do Vampire e recordo-me da estranha sensação que o "novo ruido" feito pela máquina causou na malta que o esperava. Claro que assisti ás demonstrações e tenho fotos desse tempo. Recordo igualmente o vôo do Rangel de Lima, passando sobre o Liceu Gil Vicente onde eu fazia o exame de matemática. Seria, dezanove anos mais tarde, o meu comandante na Base aérea 10 na Beira! Também em Sintra assisti aos vôos do bilugar de treino que ainda lá estava. Era voado pelo na altura major Gião que seria cinco anos mais tarde meu comandante no AB3 no N`gaje! Consegui, caso raro, um equipamento de vôo com capacete e mascara que era destinado em exclusivo para aquela máquina, sendo eu aluno piloto (mas era 2º tenente de Marinha...)
A transição para a era do jacto e Força Aérea unificada foi apoiada pelos EUA com ida de pilotos para lá e, claro, com aceitação das máquinas americanas.
Atenção que os nossos F - 84 eram o "E", Thunderjet. com asas sem flecha. O "F" foi uma versão posterior com asas em flecha e, esse sim, chamado Thunderchief. Nós nunca o tivemos.
Um abraço amigo do C.Silva
»

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