sábado, 18 de novembro de 2023

Contributos para a história da aviação ... o dia em que o Sr. Lindbergh voou até Friestas... [M2448 – 80/2023]


Não há muitos dias, enquanto empreendia uma pequena viagem pelo Minho, região em que, como sabemos, para além da referência aeronáutica dos pioneiros Eng. João Branco e Norberto Gonçalves e o voo do Blériot XI de 1913, e da ruína do radar de Viana de Castelo(!), há ainda uma outra referência, que aproveitei para fotografar: o monumento que assinala a passagem do pioneiro a aviação Charles A. Lindbergh por terras minhotas.

Sem que o tenha programado, pasme-se a coincidência de visitar o monumento precisamente no dia e, quase à mesma hora em que se completam os 90 anos da amaragem do Lockheed Sirius no Rio Minho, a 12 de Novembro de 1933!!

 

Este interessante monumento, da autoria de Alípio Nunes, foi erigido nos anos 90, assinala com a pompa e circunstância que se impõe, o acaso da amaragem neste local destes aviadores.

 

Trata-se sem dúvida de uma curiosidade aeronáutica de visita incontornável, na medida em que é um marco para a história da aviação mundial, nomeadamente do voo transatlântico.  Falo, como já imaginam, do estudo das rotas a utilizar por carreiras aéreas regulares entre a América do Norte e a Europa, estudo que o pioneiro Charles A. Lindbergh, e a sua esposa Anne Morrow empreenderam, e que se estendeu por 5 meses, percorrendo 30,000 milhas, passando por 3 oceanos, 4 continentes e 21 países!  Este estudo teve por objectivos, resolver questões relacionadas com o voo transatlântico, como as distâncias a percorrer sobre água, a meteorologia, a navegação em viagem, e a existência de bases de apoio. O estudo incluiu rotas no Atlântico Norte bem como no Atlântico Sul, algumas que nos são particulares pois passavam por Portugal: Terra Nova – Açores – Lisboa; a rota Miami – Bermuda – Açores – Lisboa; e ainda a travessia mais a Sul, entre Natal e Cabo Verde.

Um mapa com todas as etapas do estudo

Utilizaram para esta epopeia de 1933, um monoplano anfíbio Lockheed Sirius, especialmente modificado, baptizado pelos habitantes de Angmagssalik na Gronelândia de “Tingmissartoq” (Aquele que voa como um pássaro grande), em homenagem a Lindbergh.

Reza a imprensa da época, bem como o belíssimo apontamento de reportagem escrito pelo punho da própria Anne Morrow Lindbergh na National Geographic Magazine, que durante uma das etapas, no trecho entre Satoña no País Basco e Vigo, não estando desde logo as melhores condições meteorológicas previstas para o percurso, surgiu uma complicação. Ainda assim, decidiram avançar sempre na esperança de alcançar a costa Oeste da Coruña: «Vamos e depois vemos como está (a meteorologia)» disse mesmo Charles Lindbergh à esposa. Naturalmente as condições meteorológicas adversas encontradas no caminho levaram a que ocorresse um maior consumo de combustível que o previsto, equacionando os aviadores o serem forçados a fazer uma amaragem não programada. Já (pensavam) estar perto da costa, encontraram um rio com a orientação Este-Oeste, e quando encontraram umas margens mais largas, Lindbergh decidiu amarar num trecho mais sossegado do rio Minho. Amarraram o aparelho a uns troncos que havia numa das margens, sem saber exactamente onde estavam, era o dia 12 de Novembro de 1933 e estavam na margam do rio Minho junto à freguesia de Friestas, a meio caminho entre Valença e Monção. Com a amaragem de algum modo forçada, a sua esposa já não foi a tempo de recolher as «150 voltas» da antena, tendo-se partido o cabo e perdido o contrapeso, tendo sido esta a única peripécia do voo até aqui. 

Rápidamente se viram rodeados de ambos os lados e até no rio de curiosos, tendo encetado algum diálogo com estes, sem grandes progressos. Os Lindbergh passaram a noite no avião e no dia seguinte foram acordados com uma verdadeira romaria de curiosos, de ambos os lados do rio, que incluiam os presidentes das edilidades de Tuy e Valença, a polícia internacional, guardas fronteiriços e fotógrafos. Dá-se o caso de que, ainda que por aquelas bandas nunca tivesse aterrado, muito menos amarado, um avião, Charles A. Lindbergh era já uma figura pública de dimensão mundial, tendo sido imediatamente reconhecido e conduzido à edilidade, para que o tratassem de receber com os convenientes salamaleques. E assim foi, nos poucos dias que permaneceram em Valença, foram homenageados tanto por gentes de Portugal como de Espanha. O casal não teve grande descanso, foi requisitado para uma mão cheia de eventos que surgiram com um  simples estalar de dedos, para os receber os heróis aviadores. 

E eles só queriam atestar o depósito para seguir para Lisboa! 


o Lockheed Sirius no rio Minho, já a iniciar o voo para Lisboa

O avião foi reabastecido no dia seguinte, porém a meteorologia não permitiu que descolassem antes de dia 15, tendo daí rumado a Lisboa, onde eram esperados, na doca do Bom Sucesso. Alguns dias depois seguiram para os Açores, amarando na Horta, a 21 de Novembro.

Imagem do Lockheed Sirius na doca do Bom Sucesso, em Lisboa.

Rui "A-7" Ferreira

Entusiasta de Aviação


Nota: O autor do texto/reportagem escreve na grafia antiga.


Fontes e Referências:

"Flying Around the North Atlantic", by Anne Morrow Lindbergh, in The National Geographic Magazine, Volume LXVI, nO.3, September 1934

“O Faial e a Aviação”, de Fernando Faria Ribeiro (2017), Gráfica “O Telegrapho”, Horta

A 'Águia do Faroeste' pousa nas águas do Tejo - https://www.youtube.com/watch?v=hZCcylQfmTc

https://www.radiovaledominho.com/valenca-hidroaviao-fez-pouso-de-emergencia-no-rio-minho-pilotava-o-uma-lenda-foi-ha-89-anos/

http://narotadoyankeeclipper.blogspot.com/2008/11/charles-lindbergh-no-rio-minho.html

https://portugaldelesales.pt/dia-valenca-conheceu-charles-lindbergh/

https://www.emi.acer-pt.org/pesquisa-nominativa/344-valena/vrias/380-rio-minho-nsuas-de-verdoejo-e-do-crasto-lindbergh

http://estacaochronographica.blogspot.com/2010/01/ainda-os-lindbergh-em-portugal.html

https://reportersombra.com/a-insolita-passagem-de-lindbergh-por-portugal/

https://philangra.blogspot.com/2013/02/a-ilha-do-faial.html




1 Comentários:

Emmanuel Lomba disse...

Boa reportagem! Gostei.

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