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sábado, 23 de agosto de 2025

LYNX DA MARINHA REGRESSA DE MISSÃO NATO COM FRAGATA BARTOLOMEU DIAS

Foto: SMR Rodrigues

Foto: SMR Rodrigues

Realizou-se ontem, 22 de agosto de 2025, na Base Naval de Lisboa, no Alfeite, a cerimónia que assinalou o regresso da fragata NRP Bartolomeu Dias, após 116 dias de missão no âmbito da NATO, que o Pássaro de Ferro oportunamente noticiou. A bordo seguiu o destacamento "Haddock", com um helicóptero Lynx Mk.95A (n/c 19201) da Esquadrilha de Helicópteros da Marinha (EHM).

Foto: SMR Rodrigues

O navio da Marinha Portuguesa largou da Base Naval de Lisboa a 28 de abril, com destino ao mar Mediterrâneo, onde integrou a iniciativa European Carrier Group Interoperability Initiative, no âmbito da Operação HIGHMAST, e participou no exercício multinacional MEDITERRANEAN STRIKE 25 (MEDSTRIKE 25).

Posteriormente, o navio foi incorporado na Standing NATO Maritime Group 1 (SNMG1), no contexto da Operação Brilliante Shield. Esta força constitui uma das componentes permanentes da NATO (Standing Naval Forces – SNF) e apoia a vertente naval da Allied Reaction Force (ARF), força conjunta de elevada prontidão, responsável pela segurança na zona norte do oceano Atlântico.

Durante o destacamento, o navio visitou sete portos em seis países europeus: Itália, França, Finlândia, Suécia, Reino Unido, Noruega e Dinamarca.

NRP Bartolomeu Dias à largada do porto de Aberdeen, Reino Unido a 13 de Julho

A cerimónia foi presidida pelo Vice-Chefe do Estado-Maior da Armada, Vice-almirante Pedro Sousa Costa, e contou com a presença de familiares dos militares embarcados. Na sua intervenção, o Vice-almirante destacou o elevado desempenho da fragata e da sua guarnição, sublinhando que “se distinguiram não apenas pela eficácia operacional, mas também pela capacidade de representar Portugal com dignidade e prestígio”. 

Foto: Marinha Portuguesa

Dirigindo-se diretamente à guarnição, o Vice-almirante Sousa Costa enalteceu o profissionalismo demonstrado ao longo da missão, afirmando que “a Marinha Portuguesa e as Forças Armadas foram, uma vez mais, honradas com o desempenho exemplar, que soube interagir com os nossos Aliados com elevação e profissionalismo”. 

O NRP Bartolomeu Dias e a guarnição composta por 169 militares foram comandados pelo Capitão-de-fragata Elias Cagarrinho.

Foto: SMR Rodrigues

O destacamento da EHM, que integrou a missão, contribuiu para a versatilidade e alcance das operações realizadas, ampliando a capacidade operacional da unidade naval ao longo da missão.

Quatro Lynx MK95A da EHM estão por isso agora de novo no Montijo, aguardando-se a entrega do quinto e último (n/c 19203) a ser submetido aos trabalhos de modernização para o padrão A, na Leonardo em Yeovil, Reino Unido.

Foto: SAJ ETC Barbosa


segunda-feira, 16 de junho de 2025

F-16 DA FAP NO POLICIAMENTO AÉREO DO BÁLTICO - Fotogaleria

A Força Aérea Portuguesa está a garantir a segurança dos céus sobre e ao redor da Estónia, no âmbito da missão Baltic Air Policing da NATO.



A última rotação de pilotos de caça e equipas de apoio chegaram à Base Aérea de Ämari no final de maio, substituindo o destacamento português anterior que iniciou funções em abril. Assumiram a responsabilidade por quatro caças F-16M Fighting Falcon, marcando a primeira vez que aeronaves portuguesas operaram a partir da Estónia.




Dado que os Estados Bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia – não possuem caças supersónicos capazes de realizar interceções, os Aliados da NATO fornecem aeronaves numa base rotativa. A missão Baltic Air Policing, sediada na Lituânia, com um destacamento adicional na Estónia, permanece em prontidão para responder a anomalias no tráfego aéreo. Estas podem incluir aeronaves civis que perderam comunicação com os controladores de tráfego aéreo ou aeronaves militares russas que recusam identificar-se ou responder a contactos.


A missão de Policiamento do Báltico da NATO é uma missão de manutenção da paz, realizada 24 horas por dia, 365 dias por ano.


Texto e Fotos: NATO


quinta-feira, 12 de junho de 2025

F-16 PORTUGUESES EM MISSÃO DE TREINO MULTIDOMÍNIO DA NATO

F-35 neerlandês junta-se a F-16 português e A330 MRTT de reabastecimento francês sobre a Polónia para a missão F2T2    Foto: FAP
 

No dia 5 de junho de 2025, forças de sete nações da NATO conduziram um exercício liderado pela Aliança do tipo Find, Fix, Track, and Target (F2T2), na Polónia, reforçando a integração, interoperabilidade e eficácia de combate entre aliados.

As missões F2T2 exigem coordenação precisa entre todos os domínios de combate — ar, terra, mar, ciberespaço e espaço — para garantir uma execução bem-sucedida. Durante a missão, o Sistema Aerotransportado de Alerta e Controlo da NATO (AWACS) assegurou o comando e controlo aéreo, facilitando a coordenação multidomínio para localizar alvos simulados e transmitir rapidamente as suas posições a meios aéreos e terrestres com capacidade de ataque.

A realização bem-sucedida destas missões simultâneas sublinhou o papel decisivo do poder aéreo na defesa coletiva da NATO. "Executar missões F2T2 garante que as forças da NATO permanecem prontas para responder a qualquer ameaça potencial à Aliança. Os exercícios de integração multidomínio oferecem oportunidades valiosas para reforçar a prontidão e aprimorar a proficiência tática das nossas forças", afirmou o Marechal do Ar Johnny Stringer, Comandante Adjunto do Comando Aéreo Aliado.

Caças F-35        Foto: Armée de l'Air

A missão integrou sem falhas aeronaves de 4ª e 5ª gerações, incluindo caças F-16 portugueses destacados na missão de Policiamento Aéreo da NATO na Estónia, juntamente com F-35 neerlandeses e noruegueses. As aeronaves foram apoiadas e reabastecidas por um avião francês A330 MRTT, aumentando a flexibilidade operacional e permitindo maior duração da missão.

Enquanto decorria a missão F2T2 na Polónia, uma segunda operação de dissuasão teve lugar simultaneamente mais a sul, na Roménia. Caças Typhoon italianos, F-16 gregos e turcos, e meios terrestres franceses e romenos participaram numa missão conjunta de fogos integrados, demonstrando a capacidade da NATO para executar operações coordenadas e multidomínio.

A conclusão bem-sucedida de duas missões simultâneas e altamente complexas em países distintos da NATO destaca a agilidade e a força das forças aliadas. Estes exercícios constituem oportunidades de treino cruciais, promovendo a interoperabilidade, bem como a confiança e o espírito de camaradagem entre aliados.

"O êxito destas missões simultâneas reforça o papel decisivo do poder aéreo na defesa coletiva da NATO. As Forças Aéreas Aliadas continuam a demonstrar agilidade, alcance e precisão sem paralelo. Estas missões não só reforçam a nossa interoperabilidade, como também transmitem uma mensagem clara de unidade e determinação coletiva", acrescentou o Marechal do Ar Stringer.

A capacidade da NATO de gerar efeitos precisos, integrados e multidomínio sublinha a sua prontidão e competência para proteger território e populações, salvaguardar o espaço aéreo aliado e dissuadir potenciais agressões — garantindo a continuidade da segurança e estabilidade da Aliança.

Estes exercícios conjuntos têm uma função que transcende o treino operacional — consolidam confiança mútua, partilha de procedimentos táticos e uma cultura de interoperabilidade essencial à dissuasão eficaz. A NATO mostra-se, assim, pronta a enfrentar qualquer desafio à integridade do seu território, com agilidade, precisão e alcance. 

Fonte: NATO



domingo, 8 de junho de 2025

CONFLITO NUCLEAR NATO vs PACTO DE VARSÓVIA – Tácticas e Dilemas (Episódio 7) - [M2623 - 46/2025 ]

 Episódios anteriores: 1 - 2 - 3 - 4 - 5 - 6

“As mulheres contra-atacam!” - Protestos anti-nucleares

Outubro de 1983.  Base de Greenham Common, Inglaterra.  Mensagem urgente para a 501st Tactical Missile Wing.  Alarmes soam e ecoam por entre os muros de betão dos bunkers enquanto soldados, técnicos de mísseis e forças especiais correm para os seus veículos – duas baterias de “Glick-em” recebem ordens para sair imediatamente.  Cada segundo conta.  Pode ser um treino.  Mas também pode ser o derradeiro início de um conflito nuclear entre o Pacto de Varsóvia e a NATO.  È imperativo que a bateria saia de Greenham o mais rápido possível – um SS-20 Saber russo pode estar a caminho.  O primeiro veículo a chegar ao portão da base é um HMMWV, mais conhecido por “Humvee”, seguido de um veículo blindado e vários lançadores-transportadores.  Mas o impressionante comboio de veículos não avança muito.  Milhares de mulheres bloqueiam a estrada, cantam e tocam buzinas numa acção de protesto contra a presença dos malvados “imperialistas americanos”.  Centenas de protestantes deitam-se na estrada, bloqueando totalmente a passagem.  Nenhum militar sai dos veículos, a pouco invejável responsabilidade de desbloquear a situação está nas mãos da policia inglesa, que faz o melhor para retirar individualmente cada protestante – uma tarefa tão ingrata como impossível.  Um jovem soldado americano, motorista de um camião MAN 8x8 de 10t, comenta jocosamente (ou talvez não) com o seu superior, sentado á sua direita;

- Sir, I could just run over them…

- Stand fast Private, stand fast – responde o Tenente num tom muito pouco convincente….

Protestos como este bloqueio de estrada em Inglaterra fizeram parte de um movimento que ganhou considerável força nos anos 70-80.  Em alguns países Europeus a pressão foi tão grande que fez vários líderes políticos hesitar em receber armas nucleares no seu território por receio de protestos semelhantes e perda de apoio popular.

Protestos como este tornaram-se comuns desde que um “acampamento da paz” improvisado foi criado á porta da base Inglesa.  Os residentes deste campo, quase exclusivamente composto por mulheres, pertenciam ao crescente movimento anti-nuclear que florescia na Europa Ocidental.  O objectivo destes protestos?  Forçar a NATO a abandonar os planos de localizar as baterias de BGM-109G Gryphon na Europa – bem como os Pershing 2.  Curiosamente, ou talvez não, estes zelosos activistas não viam necessidade de exigir o mesmo às autoridades Soviéticas, ou seja, o abandono dos mísseis balísticos SS-20 Saber apontados ás cidades Europeias...  Bruce Kent, um dos líderes do movimento afirmou sobre os “Glick-em”; “Não acrescentam nada á nossa segurança, mas aumentam a nossa insegurança”.   Na realidade, os “Glick-em” (e seus os primos estratégicos, os Pershing 2) não desestabilizavam a NATO.  Pelo contrário, criavam instabilidade na direcção contrária – na União Soviética.  Estas armas eram uma demonstração de força do Ocidente, mostrava que não iria ceder perante os Russos e convenceram o Kremlin que a NATO não se iria intimidar com ameaças.  

Este tipo de protestos políticos tornaram-se comuns nos anos 80, não só na base de Greenham Common como também nas restantes bases que acomodavam os “Glick-em” na Bélgica, Holanda e Alemanha.  Apenas as baterias baseadas na base de Comiso na Sicília, uma localidade relativamente isolada dos centros populacionais, escapou á atenção dos activistas.  

E foi esta realização que abriu caminho ao início de conversações sérias sobre o acordo INF (Intermediate-range Nuclear Forces – Tratado de Armas Nucleares de Médio-alcance) que iria, eventualmente, remover toda uma classe de armas nucleares dos arsenais das super-potências.  Essas conversações, que se iniciaram em 1981, só começaram a ganhar corpo a partir do momento que os “Glick-em” surgiram operacionalmente na Europa.  A posição da administração de Ronald Reagan era simples; “zero-zero” – eliminação total de todas as armas nucleares de médio-alcance, NATO e Pacto de Varsóvia.  Moscovo concordava com a primeira parte… mas nem tanto com a segunda.  Sugeriram limitar o número de ogivas a 300, mas incluindo a França que nem era sequer membro da NATO.  Outra proposta cínica foi a de basear os mísseis SS-20 Saber para lá dos Montes Urais – só que a mobilidade dos lançadores permitia a rápida deslocalização em tempos de tensão.  Nem pensar.  Enquanto estas discussões continuavam a pressão dos protestos anti-nucleares em vários países Europeus (alguns desses grupos patrocinados por Moscovo) aumentava e os Soviéticos acreditavam que o tempo estava do lado deles.  Mas a NATO manteve-se firme e em 1983 a quase totalidade das baterias de “Glick-em” e Pershing 2 estava operacional.  Perante isto, os Russos “amuaram” e abandonaram as conversações no final de 1983 e durante todo o ano de 1984 não deram sinal de vida.  

Não deixa de ser irónico reflectir sobre as sinceras preocupações destes activistas.  Mas acabam por protestar contra as únicas armas que os protegiam de um ataque nuclear Russo.  Não foram estes protestos que convenceram o Pacto de Varsóvia a destruir as suas armas nucleares de médio alcance – foi a presença dos “Glick-em” e dos Pershing 2 que os obrigou a isso. 

Eventualmente, Moscovo cedeu e concordou em regressar à mesa de negociações em 1985.  Sem entrarmos em muitos detalhes sobre os avanços e recuos das diferentes propostas apresentadas nos meses seguintes, o importante é que em Fevereiro de 1987 Gorbachev aceitou a proposta americana “zero-zero”.  Isto incluía desmantelar dos “Glick-em” e Pershing da NATO bem como os SS-20 Saber, os SS-4 Sandal, SS-5 Skean, SS-12 Scaleboard e SS-23 Spider do Pacto de Varsóvia.  E mais.  Os Russos concordaram com um protocolo de verificação sem precedentes, que incluía verificações mútuas da destruição das armas.  Talvez a situação económica periclitante na União Soviética tenha sido determinante para este desfecho assim como a determinação de Ronald Reagan de injectar milhares de milhões de dólares no programa SDI (Strategic Defence Initiative – o famoso “Star Wars”), que os Soviéticos não podiam acompanhar, seja em termos tecnológicos ou económicos.  

O sarcasmo dos Americanos no seu melhor.  De facto, a melhor forma de garantir a paz foi a determinação da NATO em não ceder perante o crescente poderio nuclear Russo nos anos 70.

Este acordo também validou a estratégia da NATO de implantar os “Glick-em” e Pershing na Europa.  Demonstrou de forma convincente a seriedade do compromisso americano com a segurança dos parceiros da NATO e a solidez da solidariedade da Aliança.  O acordo INF foi assinado em 1987 e, a partir daqui, as coisas aceleraram rapidamente, especialmente após a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética.  Em Maio de 1991 todas as armas nucleares de médio alcance – que durante muitos anos amedrontaram milhões de pessoas - estavam reduzidas a um grande monte de (muito cara) sucata. 

Infelizmente, o tratado INF foi sendo lentamente esvaziado nos últimos 15 anos e acabou por ser completamente ultrapassado por eventos recentes.  

Mas isso é história para outro dia.

 Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro


domingo, 1 de junho de 2025

CONFLITO NUCLEAR NATO vs PACTO DE VARSÓVIA – Tácticas e Dilemas (Episódio 6) - [M2620 - 43/2025 ]

Episódios anteriores: 1 - 2 - 3 - 4 - 5

Pershing 2, o “sniper nuclear” da NATO

Como já analisamos, a resposta da NATO á ameaça do SS-20 Saber foi dupla.  Uma foi o míssil de cruzeiro BGM-109G Gryphon, que mais não era do que a adaptação terrestre de uma arma já existente, o famoso Tomahawk.  A segunda resposta, curiosamente, também resultou de um aperfeiçoamento radical de outra arma, o míssil balístico de curto-alcance MGM-31 Pershing.  Este míssil era capaz de atingir um alvo a cerca de 700km de distância com uma ogiva W50 de 400Kt com precisão de 400 metros – “not great, not terrible”.  O problema é que esta potente ogiva dificilmente poderia ser usada num contexto Europeu sem provocar baixas civis assustadoras e impensável destruição nos centros populacionais e industriais – não esquecer que uma das funções destas armas era deter as divisões mecanizadas Soviéticas, o que implicava o seu uso perto das fronteiras ou mesmo em território Alemão.  Além do mais, o SS-20, com os seus 5000km de alcance, 3 MIRV com precisão semelhante e grande mobilidade, era uma ameaça incontornável.  Era necessária uma resposta mais credível.      

Lançamento de um Pershing 2 de teste em 1983.  Perfeitamente identificáveis os dois estágios e o RV (Reentry Vehicle) com o cone dieléctrico na extremidade frontal – “transparente” para as ondas de radar do sistema de comparação terminal mas suficientemente resistente para suportar o calor da reentrada atmosférica.

A Martin Marietta fez aquilo que muitos (irritantemente) gostam de apelidar “pensar fora da caixa”.  Para melhorar o alcance, e sem alterar as dimensões do míssil, os dois estágios dos motores foram profundamente redesenhados e melhorados, principalmente o “booster”.  Foi também utilizado um novo combustível sólido de maior energia e densidade (cortesia do míssil terra-ar Patriot) e, para criar mais espaço, toda a estrutura dos depósitos foi construída com Kevlar.  O resultado foi um aumento radical do alcance para 1800km (os Soviéticos acreditavam que era de 2500km), apesar de manter as mesmas dimensões e utilizar os mesmos veículos de transporte e lançamento.  Mas o maior avanço tecnológico não era esse.   A ogiva W50 de 400Kt foi substituída por uma W85 de potência variável entre 80Kt e uns “míseros” 5Kt.  Qual seria a utilidade de uma ogiva nuclear de tão baixo rendimento?  Bem, conforme já vimos nos textos anteriores, a lei do inverso do quadrado demonstra que uma ogiva com maior precisão necessita de (muito) menor potência para atingir o mesmo resultado.  Um dos exemplos mostrava que um melhoramento de 50% na precisão (550m para 275m) permitia a redução da ogiva numa proporção de 10 (1Mt em vez de 10Mt).  E foi isso que a Martin Marietta conseguiu, encolheu os respeitáveis 400 metros de precisão do Pershing (semelhante ao SS-20) para uns insignificantes 30 metros!  A forma como esta precisão foi conseguida é melhor demonstrada no diagrama abaixo;

O que a Martin Marietta conseguiu criar no Pershing 2 foi agregar ao habitual sistema de navegação inercial (comum nos mísseis balísticos, como o Saber) um sensor guiado na fase terminal.  Depois de esgotados os dois estágios de propulsão o RV, ou veículo de reentrada, alinha a ogiva durante a fase de médio-curso (onde atinge Mach 12) e prepara a reentrada na atmosfera.  Na fase terminal, a cerca de 15000 metros de altitude, o RV executa uma manobra para reduzir a velocidade e activa o radar de mapeamento do terreno.  O radar realiza varrimentos sucessivos em intervalos programados, o computador compara essas leituras com as imagens do alvo guardadas na memória e ajusta constantemente a trajectória até que ambas coincidam.

Este nível de precisão, aliada ao curto tempo de reacção e velocidade (apenas seis minutos de voo para atingir um alvo a 1800km), transformava o Pershing 2 numa arma particularmente temível para os Russos.  Permitia ataques devastadores de “decapitação” nos centros controlo e comando (e políticos) do Pacto de Varsóvia.  E isto preocupava seriamente os líderes Russos, dada a centralização de poder e das linhas de comando extremamente rígidas e burocráticas das estruturas militares comunistas.  Esta velocidade - de voo e de reacção - tornavam-no também numa excelente arma para eliminar alvos que exigiam um tempo de resposta imediato, como formações blindadas em movimento, bases aéreas, bunkers e até navios e submarinos (particularmente os SSBN) ainda ancorados.

O alcance de 1800km exigia que todos os 108 Pershing 2 fossem localizados na Alemanha Federal, o mais perto possível das fronteiras do Pacto de Varsóvia.  Especificamente, 36 (mais 4 sobressalentes) em Schwaebisch-Gmeund, 36 (mais 4) em Neu Ulm, 36 (mais 4) em Waldheide-Neckarsulm e mais 12 de reserva em Weilerbach.

As capacidades conjuntas dos 464 mísseis de cruzeiro “Glick-em” e dos 108 mísseis balísticos Pershing 2 ofereciam á NATO enorme capacidade de dissuasão, credibilidade na resposta e flexibilidade de opções.  Por um lado, o grande alcance dos mísseis de cruzeiro permitia que ficassem baseados longe das fronteiras (o que aumentava a sobrevivência) mas a velocidade relativamente baixa traduzia-se num voo que podia chegar a 3 horas.  Por outro lado, o míssil de cruzeiro é a arma nuclear “stealth” por excelência; o lançamento discreto e o voo a altitude muito baixa tornam a detecção particularmente difícil – ideal para ataques surpresa.  Em contraste, o menor alcance do míssil balístico Pershing 2 significava que ficaria localizado em zonas de maior risco mas compensaria pela enorme velocidade, entre Mach 10-12 na fase de médio-curso, que dificultaria (ou impossibilitaria?…) qualquer tentativa de intercepção.  Em oposição aos mísseis de cruzeiro, os balísticos são tudo menos “stealth”.  O lançamento e trajectória balística denunciam imediatamente estas armas perante radares especializados (alguns em satélites) de longo alcance.

O RV, com a ogiva W85 a bordo, a milissegundos do impacto.  A precisão demonstrada nos testes superou as expectativas mais optimistas embora o sistema de reconhecimento por radar exigisse alvos com forte eco electromagnético.        

Conforme Harold Brown, Secretário de Defesa dos EUA; “a entrada em serviço da dupla mista míssil de cruzeiro/míssil balístico protege contra qualquer limitação ou falha de um dos sistemas, oferece a flexibilidade de escolha da melhor arma para cada missão e complica enormemente o planeamento inimigo.”  Os “Glick-em” e os Pershing 2 representavam também a superioridade tecnológica da NATO.  Tecnologia que os Soviéticos eram incapazes de duplicar; particularmente os sofisticados sistemas electrónicos de navegação e aquisição de alvo destas armas.  
Assim sendo, qual seria a resposta Russa perante esta ameaça? 

 Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro

domingo, 25 de maio de 2025

CONFLITO NUCLEAR NATO vs PACTO DE VARSÓVIA – Tácticas e Dilemas (Episódio 5) - [M2615 - 38/2025 ]

Episódios anteriores: 1 - 2 - 3 - 4

BGM-109G Gryphon, o “Xeque-mate” da NATO (cont.)

O processo de lançamento de um míssil de cruzeiro GLCM envolvia alguns passos pré-determinados.  Imaginemos um episódio de grande tensão política em meados dos anos 80.  Entre várias medidas de dissuasão, a NATO dispersa baterias de “Glick-em” para áreas remotas, mas fortemente protegidas.  Uma das baterias, localizada na base de Florennes, na Bélgica, desloca-se durante a noite para uma área 40km a Noroeste da cidade de Charleroi.  Numa primeira fase, o impressionante comboio de veículos move-se por entre as apertadas estradas secundárias da província Belga debaixo do olhar de admiração e apreensão dos muitos civis despertos pelo roncar rouco dos camiões MAN 8x8.  A dada altura os camiões abandonam a estrada e mergulham na escuridão de um bosque perto de Perwez - os condutores, equipados com óculos de visão nocturna, não necessitam de faróis nem de iluminação artificial.  Além do mais, já conhecem bem a zona, resultado dos inúmeros treinos e exercícios conjuntos.  Um jeep civil, inadvertidamente ou não, tenta seguir o mesmo caminho – talvez apenas um agricultor a regressar á sua quinta – mas é imediatamente barrado por vários soldados das forças especiais Belgas, que surgem sem aviso por entre os arbustos.  Os quatro TEL espalham-se por entre as árvores, conectados por fibra óptica ao LCC – o segundo LCC aguarda a 1500 metros de distância, em caso de necessidade.

O camião MAN M1013, de 10t e tracção às oito rodas, era o veículo padrão das baterias de GLCM, não só usado como base para os veículos lançadores (TEL) e postos de comando (LCC) mas também como veículo de manutenção e reparação.  Muito apreciado pelos americanos que confessavam, nunca abertamente claro, ser muito superior aos veículos fabricados nos “States”, especialmente em conforto, facilidade de condução e qualidade de suspensão.

Ao passar das 2h00 da manhã, a bordo do LCC, dispara um aviso mensagem de satélite, directamente do SACEUR.  Os dois oficiais, sentados á frente de um teclado, aguardam nervosamente enquanto o computador descodifica e autentica a ligação.  Não é uma mensagem de voz mas um texto pré-gravado, ou Emergency Action Message (EAM).  O alvo não é mencionado por nome, apenas por código, neste caso Strike Package 36.  As coordenadas e o perfil de voo já estão introduzidas no computador, apenas é necessário actualizar os dados meteorológicos mais recentes e introduzir os códigos de lançamento para cada “Glick-em” – processo que demoraria menos de 20 minutos.  O alvo é o Quartel-General da Frota Soviética do Báltico em Krondstadt, São Petersburgo.  Estas armas são propriedade dos EUA e, apesar de localizadas na Bélgica, não existe acordo de “dual key”.  Aos dois oficiais a bordo do LCC apenas resta introduzir o código de seis letras e pressionar os dois botões “execute” em simultâneo.  Existe, no entanto, um acordo vago que, em caso de guerra, o lançamento de armas nucleares deve ser decidido junto com a nação anfitriã.  No entanto, a autorização para o disparo de “Glick-em”s significaria que a guerra nuclear total já estaria em andamento e as comunicações estariam severamente danificadas – e, mais importante, o tempo das gentilezas diplomáticas já se teria esgotado.  Felizmente, tal cenário nunca se tornou realidade.

Nestas duas imagens vemos uma bateria de “Glick-em” no seu habitat natural.  Na foto acima, á esquerda, um dos veículos transportadores-lançadores (TEL) e o posto de comando (LCC) á direita.  Na foto abaixo, dois dos soldados que asseguram a segurança da bateria posam para a fotografia armados com espingardas M16A1 (o da direita com lançador de granadas M203) – a nostalgia dos anos 80 e 90 é incontornável...

Outra questão de grande discussão no seio da NATO foi a distribuição e quantidade, das baterias de GLCM na Europa – um balanço difícil entre a credibilidade da dissuasão e as sensibilidades diplomáticas de cada membro da Aliança.  A Inglaterra já era uma potência nuclear e a Noruega e Dinamarca recusaram armas nucleares no seu território.  Turquia e Grécia?  Demasiado instáveis.  A Itália aceitou participar, assim como a Holanda e a Bélgica, mas com muita relutância.  Depois de infindáveis discussões finalmente chegou-se a uma decisão em Dezembro de 1979 – mais ou menos.  Os Belgas pediram mais seis meses para decidir se saiam e os Holandeses mais 18 meses (?) para decidir se ficavam…  O esquema final, provisório, foi este;

Alemanha Federal (Wuschheim) - 96 GLCM (6 baterias / 24 TEL transportadores-lançadores), 

Holanda (Woensdrecht) - 48 GLCM (3 baterias / 12 TEL transportadores-lançadores), 

Itália (Comiso) - 112 GLCM (7 baterias / 28 TEL transportadores-lançadores), 

Bélgica (Florennes) - 48 GLCM (3 baterias / 12 TEL transportadores-lançadores),

Inglaterra (Molesworth) - 64 GLCM (4 baterias / 16 TEL transportadores-lançadores),

Inglaterra (Greenham Common) - 96 GLCM (6 baterias / 24 TEL transportadores-lançadores).  

Feitas as contas, eram 464 mísseis de cruzeiro, com alcance mais que suficiente para atingir Moscovo e com a precisão para entrar pela porta da frente do Kremlin.  E o “Glick-em” não era a única arma nuclear de reacção rápida da NATO com que os Soviéticos tinham de se preocupar.  Nem sequer a mais assustadora…

Mapa com a localização aproximada das bases de mísseis GLCM na Europa.


Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro

domingo, 18 de maio de 2025

CONFLITO NUCLEAR NATO vs PACTO DE VARSÓVIA – Tácticas e Dilemas (Episódio 4) - [M2613 - 37/2025 ]

Episódios anteriores: 1 - 2 - 3

BGM-109G Gryphon, o “Xeque-mate” da NATO

 

A NATO necessitava de uma nova geração de armas de longo alcance – e rápido.  Foi proposta uma nova versão “esticada” do F-111 (F-111H) e um pequeno míssil balístico com 1600km de alcance, chamado inicialmente “longbow”, e projectado pela DARPA, como forma de reequilibrar a dissuasão com os Soviéticos.  Mas não era assim tão simples.  Para os Europeus a resposta nuclear “flexível” sempre foi ambígua, dependendo do lado do Atlântico onde cada membro da NATO se situava.  Para os Americanos as armas nucleares estacionadas na Europa eram uma segunda linha de defesa, atrás das divisões blindadas, prontas a ser usadas consoante a escalada de uma potencial invasão Russa – e sem arriscar território Americano.  Em contraste, para os Europeus, qualquer resposta ou contra-resposta nuclear, mesmo que limitada, seria um desastre total.  Nesse sentido, todas as novas armas nucleares de precisão e rápida resposta, que podiam incentivar um uso “limitado”, quer da NATO ou Pacto de Varsóvia, eram um perigo iminente.

 

O BGM-109G Gryphon (“Glick-em” para os amigos) teve uma carreira operacional curta mas provou ser um eficaz adversário face ao SS-20 Saber Soviético.  Conforme o Coronel Doug Livingston, antigo comandante de umas das baterias, “foi uma das armas chave que nos ajudaram a ganhar a Guerra Fria”.

 

Deste “caldo” diplomático surgiram duas opções tecnológicas que aproveitaram ao máximo sistemas já disponíveis e de rápida implementação.  Vamos abordar o primeiro, o GLCM (Ground Launched Cruise Missile) ou, para usar o nome oficial, o BGM-109G Gryphon.  Mas ninguém usava estas designações.  Quando muito era conhecido como “Tomahawk Terrestre” ou, simplesmente, “Glick-em”.  Ao contrário de um míssil balístico, como o SS-20, um míssil de cruzeiro mantém um perfil de voo atmosférico suportado pela sua propulsão e sustentação aerodinâmica.  Foi uma solução muito experimentada nos anos 50 e 60 para o transporte de armas nucleares mas revelou-se demasiado desajeitada e pouco precisa.  Mas nos anos 70 novas tecnologias prometiam revolucionar as capacidades dos mísseis de cruzeiro; pequenas e eficientes turbinas, avanços na electrónica de navegação e miniaturização das ogivas.  Outras vantagens eram o baixo custo (comparado com mísseis balísticos) e a flexibilidade de lançamento.  Por outro lado, a baixa velocidade (850-900km/h) significava um voo de 3 horas para atingir alvos perto do alcance máximo de 2600-2800km, o que diminuía a capacidade de “first-strike”. 




O “Glick-em” em modo de voo; asas, entrada de ar (no ventre) e estabilizadores estendidos.  Dois dos “segredos” desta arma eram a turbina (turbofan) F107 produzida pela Williams e a ogiva W84, 150-200Kt, duas obras-primas de engenharia e miniaturização.  Atrás vemos o “booster”, que lançava o míssil para fora do contentor e era descartado em menos de 5 segundos.

 

Mas a extrema precisão, qualquer coisa como 30-60 metros, tornava-o altamente valioso e perigoso.  O BGM-109 Tomahawk original foi pensado e desenvolvido para a US Navy no inicio dos anos 70, com modularidade e mobilidade em mente, para facilitar o armazenamento e disparo de navios e submarinos.  Aliás, uma das sugestões iniciais envolvia basear mísseis Tomahawk a bordo de submarinos de ataque (SSN) no Mar do norte e Mediterrâneo como resposta ao poderio nuclear Soviético.  Mas havia um problema.  Os submarinos não eram suficientemente “visíveis”.  Este era (e continua a ser) um aspecto importante do equilíbrio nuclear; por um lado deseja-se que os sistemas de armas tenham capacidade de sobrevivência - difíceis de detectar e destruir - mas, ao mesmo tempo, é também crucial que o inimigo saiba da existência dessas armas e das suas capacidades (reais ou apenas bluff!).  É um elemento da dissuasão e de credibilidade da ameaça.  Não é por acaso que os Russos faziam questão de demonstrar certas armas nos seus famosos desfiles militares.



O terceiro “segredo” do sucesso desta arma era o sistema de controlo e navegação TERCOM (Terrain Contour Matching), que actualiza o perfil de voo do INS com leituras do radioaltímetro em zonas pré-programadas.   Em cada leitura o míssil compara com o perfil na memória e corrige qualquer erro e repete o processo até chegar ao alvo.  Isto significa que a rota tem de ser previamente construída com imagens recolhidas por satélite ou aeronaves de reconhecimento.  Também significa que o “Glick-em” não perde precisão com o passar do tempo e distância – importante para um míssil com um tempo de voo de 3 horas.

Adaptar o BGM-109 Tomahawk para o lançamento em terra seria relativamente fácil – ou assim se pensava.  Os engenheiros da General Dynamics descobriram rapidamente que não bastava colocar os mísseis em cima de um atrelado e dar um rádio portátil ao motorista.  Desenvolver o veículo transportador-lançador (TEL – Transporter Erector Launcher) e toda a estrutura associada aos sistemas de controlo e comunicações seguras foi mais moroso do que o imaginado.  Mas o resultado final compensou largamente a demora.  O excelente camião MAN escolhido para a tarefa, a pesar cerca de 35 toneladas, carregava 4 “Glick-em” protegidos numa estrutura de alumínio, com as asas, entrada de ar e “barbatanas” perfeitamente recolhidas – uma herança do Tomahawk ser projectado para ser disparado de tubos de torpedo padrão de 21 polegadas (533mm).  Os TEL e veículos de apoio ficariam protegidos em bunkers específicos e, em alturas de maior tensão ou em exercício, dispersados para áreas previamente escolhidas (e bem camufladas) num raio de 80-100km da base.  Cada bateria era composta por 4 camiões TEL (16 “Glick-em”), 2 veículos de controlo e comando no mesmo chassis (LCC – Launch Control Center), embora só um fosse necessário para designar alvos para toda a bateria, o segundo era uma reserva para emergências ou em caso de falha mecânica.  Com veículos de apoio e segurança, a bateria totalizava 22 veículos e 69 homens.  Uma força minúscula tendo em conta o poder de fogo que lhes era confiado; 16 ogivas W-84 com 150Kt cada - um total de 2,4 megatoneladas, ou 160 vezes o poder destrutivo largado sobre Hiroshima…    


Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro

 

domingo, 11 de maio de 2025

CONFLITO NUCLEAR NATO vs PACTO DE VARSÓVIA – Tácticas e Dilemas (Episódio 3) - [M2611 - 35/2025 ]

Link para anteriores edições:  Episódio 1  - Episódio 2

SS-20 Saber, a “Ameaça Vermelha”

Em 1976-1977 surgiram fotos de reconhecimento de satélite da NATO a revelar pequenos contingentes de veículos transportadores-lançadores em Gomel e Vitebsk, na Bielorrússia, e na fronteira com a China.  A CIA já tinha avisado, desde 1973, e com algum detalhe, que os Russos estavam a desenvolver um poderoso tipo de míssil balístico de médio/intermédio alcance.  Agora estava confirmado.  Mas, mesmo assim, as capacidades desta nova arma, designada SS-20 Saber pela NATO (e RDS-10 Pioneer pelos Soviéticos) fizeram disparar os alarmes na Europa Ocidental.  Pior que isso, esta arma ameaçava destruir o delicado equilíbrio nuclear entre a NATO e o Pacto de Varsóvia.  Porquê?

A forma mais contundente de explicar as capacidades do SS-20 é por compará-lo com os seus antecessores SS-4 Sandal e SS-5 Skean;

Mobilidade – Ao contrário do Sandal e Skean, que eram lançados de silos fixos, o Saber podia ser lançado e disparado de um impressionante camião MAZ-547A 12x12, o que diminuía muito a vulnerabilidade face a um ataque preliminar.  (Só uma nota em relação aos Sandal/Skean; no post anterior vemos estes mísseis a serem transportados nos desfiles da Praça Vermelha mas essa não é uma capacidade operacional.  Os tractores e atrelados servem apenas para transportar os mísseis para manutenção e posicionamento)  As baterias de SS-20 estavam equipadas com todo o equipamento necessário para se dispersarem rapidamente e disparar autonomamente e sem demora (e com recargas).  Claro que todo o processo de introdução de alvos e perfis de navegação teria ser actualizado no computador e os (vários) locais de lançamento previamente designados e sincronizados.

Uma das primeiras ilustrações do DoD a surgir em fontes públicas.  Toda a bateria era constituída por veículos todo-o-terreno de grande mobilidade; além do transportador-lançador, os veículos com recargas e o posto de comando partilhavam o mesmo chassis MAZ.  Cada bateria era também acompanhada por um pelotão de Spetsnaz fortemente armado para protecção e reconhecimento dos locais de lançamento.

Alcance – O Saber aumentou o alcance para mais de 5000km, um enorme melhoramento face ao Sandal (2000km) e Skean (3700km).  Os mais atentos saberão que o SS-4 media 22m de comprimento, largura de 1,6m e pesava cerca de 40 toneladas enquanto o SS-5 acusava quase o mesmo comprimento (24m) mas era muito mais largo (2,4m) o que aumentava o peso para o dobro.  Mas como é que o SS-20, com 16m de comprimento, 1,8m de largura e umas frugais 37 toneladas, conseguia alcançar 5000km?  Bem, o Saber representou um enorme avanço geracional na tecnologia de mísseis Soviética, seja em termos de materiais, miniaturização de componentes e desenvolvimento de novas tecnologias.  O mérito de muitos desses avanços deveu-se ao brilhante engenheiro Aleksandr Nadiradze, uma personagem mítica das Forças Estratégicas Soviéticas.  Um dos seus projectos mais ambiciosos ficou conhecido no Ocidente como SS-16 Sinner, mas muitas destas tecnologias ainda eram demasiado imaturas para serviço operacional – aos quais se juntaram também alguns problemas metalúrgicos e interferências políticas para afundar o projecto.  O SS-20 beneficiou de muitos dos predicados desse desenho e simplificou outros, particularmente na propulsão.  Um dos grandes saltos na capacidade destes mísseis foi o uso de combustível sólido e dois estágios independentes (três no Sinner).  Visto de relance poderia ser fácil concluir que estágios com motores-foguete independentes seriam mais pesados (e mais complexos) que os motores-foguetes singulares dos Sandal/Skean.  É verdade, em parte.  Mas a (enorme) vantagem de um míssil multi-estágios é que cada estágio, depois de consumido todo o combustível, é ejectado, o que reduz muito o “peso-morto” do conjunto, não faz oscilar tanto o CG e diminui o arrasto aerodinâmico.  Além disso, os combustíveis sólidos são, geralmente, mais densos e potentes e ocupam menos volume do que os combinados líquidos.   

Para a NATO, tentar encontrar meios para detectar e destruir os lançadores de SS-20 tornou-se uma obsessão.  Com centenas de locais de lançamento disponíveis, desde pequenas clareiras na Bielorrússia até parques de estacionamento na RDA, os Saber seriam tão (ou mais) difíceis de encontrar como os famosos Scud Iraquianos em 1991.

Tempo de reacção – Este ponto está directamente relacionado com o anterior – o uso de combustível sólido.  Enquanto que o Sandal e Skean necessitavam de ser reabastecidos (um processo moroso, delicado e perigoso), mísseis como o Saber são entregues lacrados e prontos para usar, com uma “validade de armazenamento” de vários anos.  E porque não pode um míssil de combustível líquido ficar abastecido e em alerta o mesmo tempo?  Porque estes combustíveis são mais instáveis e sujeitos a maior degradação – além de, em alguns casos, devido á sua natureza extremamente corrosiva e ácida, literalmente “comerem” a estrutura interna e os vedantes.  Assim, depois de um período de alerta de uns 30 dias o combustível tem de ser retirado (um processo ainda mais moroso, delicado e igualmente perigoso…).  Foi também o uso do combustível sólido que facilitou a grande mobilidade e fácil deslocação dos mísseis para fora do “conforto” dos silos.      

Ogiva – E ainda não tocamos no ponto mais fulcral e mortífero do SS-20; a ogiva.  Pior, “as” ogivas.  A grande insuficiência da dupla Sandal e Skean era a fraca precisão da ogiva unitária, o que os definia, firmemente, como armas de retaliação (countervalue).  O Saber surgiu inicialmente também com uma ogiva singular de 1MT mas foi rapidamente substituída por um “bus” com 3 MIRV de 150KT e uma precisão de 400 metros.  Isto não era uma mera evolução, melhoramento ou aperfeiçoamento técnico – foi um choque tecnológico e táctico que transformou, de um dia para o outro, o cenário nuclear na Europa.  Uma das capacidades da ogiva tripla seria atacar alvos separados de forma independente – dentro de um raio de 100km, aproximadamente, dependendo do perfil – com a doutrina Soviética a preferir ataques concentrados a alvos de grande valor militar (counterforce), como bases de mísseis, portos de mar em Inglaterra (para dificultar a chegada de reforços dos EUA), bases aéreas estratégicas, depósitos de armas nucleares e concentrações blindadas.  Em 1983 os Soviéticos já dispunham de 315 sistemas SS-20 no activo e 945 ogivas, um terço na Europa, outro terço no Extremo Oriente e um terceiro nos Urais (prontos a serem rapidamente deslocalizados para onde fossem necessários).   

Em maior detalhe nesta foto, o chamado PBV, do inglês “Post-Boost Bus”, e as três ogivas, cada uma com 175Kt, mais que suficiente para devastar uma cidade média.  A maior parte dos mísseis deste género utiliza uma cobertura aerodinâmica para proteger as ogivas mas o SS-20 prefere ter tudo “á mostra”.  A pintura amarela e vermelha não é operacional, provavelmente foi adicionada para propósitos de exposição.  

Em resumo, o Saber podia não só ser usado como arma de retaliação como os seus antecessores (embora com muito maior precisão) mas, mais do que isso, permitia aos Soviéticos esboçar um devastador “first-strike”.  Como vimos nos posts anteriores, a NATO previa ser forçada a usar armas nucleares de baixo rendimento para contrariar a enorme superioridade convencional Soviética.  Por sua vez, a contra-resposta nuclear da Rússia poderia envolver o uso de mísseis Sandal ou Skean contra cidades Europeias (countervalue).  Mas a rapidez de resposta do SS-20 (poucos minutos), mobilidade e precisão das múltiplas ogivas, oferecia aos Soviéticos uma fortíssima, e tentadora, opção de “first-strike”.  Por outras palavras, antes da ofensiva por terra e ar, os Russos lançariam uma chuva de centenas de ogivas contra alvos militares na retaguarda da NATO (incluindo a eliminação das suas armas nucleares) e castrar completamente a capacidade de resposta da Aliança – as bases aéreas dos F-111 e depósitos de mísseis Lance, assim como postos de comando e centros de comunicações, por exemplo.  

Nos seus dias, o SS-20 provocou um dos maiores calafrios à NATO e a herança tecnológica desta arma persiste até aos dias de hoje.  O actual SS-25 Topol (Sickle), desenhado pelo mesmo Alexander Nadiradze, pode ser comparado a um SS-20 com um terceiro estágio.

Neste cenário, a NATO ficaria sem grandes soluções e sem meios para uma resposta “flexível”.  Restariam os SLBM da USN com mísseis Poseidon e os Polaris da Royal Navy no Mar do Norte e no Atlântico – duas armas de “countervalue”, sem precisão para atacar alvos tácticos.  A última e derradeira resposta seria um ataque maciço de ICBMs lançados dos EUA, convidando a inevitável chuva de ICBMs Russos em sentido contrário.  A questão era; arriscariam os EUA fazer isso ou ponderariam limitar a guerra nuclear a uma Europa mergulhada num forno radioactivo?  

Os Europeus precisavam urgentemente (ou desesperadamente?) de uma resposta perante a ameaça dos SS-20.  E encontraram…duas.

Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro



domingo, 4 de maio de 2025

CONFLITO NUCLEAR NATO vs PACTO DE VARSÓVIA – Tácticas e Dilemas (Episódio 2) [M2610 - 34/2025 ]

Episódio 1

Resposta soviética – SS-4 Sandal e SS-5 Skean

Nesta altura a NATO elencava 3 tipos de resposta nuclear; retaliação directa, escalada deliberada ou resposta nuclear geral.  Um dos problemas destas doutrinas, por muito bem estruturadas e delineadas que sejam, é que podem ser rapidamente ultrapassadas pelas acções inesperadas do oponente.  Seria confortável que o inimigo reagisse proporcionalmente aos ataques mas o perigo da resposta ser “desproporcional” era muito real e potencialmente devastadora.  Mas vamos retomar o ponto anterior; a política de “first-use”, ou “first-strike”, da NATO.  Perante a incapacidade de conter um ataque mecanizado Soviético a NATO iria usar armas nucleares tácticas – projécteis de artilharia e mísseis Lance  - com ogivas de muito baixo rendimento, mas devastadoras para as formações blindadas Russas.  Qual seria a resposta?  A doutrina do Pacto de Varsóvia vertia o seguinte; 

A guerra seria resultado do “aventureirismo” da NATO (onde já ouvimos isto?...).  A ofensiva Russa maciça por terra e ar iria empurrar esta agressão da NATO, penetrar em profundidade no território inimigo e destruir as suas forças no processo.  A velocidade do avanço seria crucial para capturar as armas nucleares tácticas e enevoar ao máximo as linhas da frente – restringindo o uso dessas mesmas armas.  Caso o inimigo (NATO) recorra a armas nucleares, de forma localizada ou a nível de teatro de operações, as restrições quando ao uso de armas nucleares será removida.  Estas armas tornam-se os meios legítimos, e mais importantes, para destruir o inimigo em batalha – aliás, qualquer hesitação iria desperdiçar a vantagem da iniciativa.



O S-4 Sandal (em acima) e SS-5 Skean (em baixo) serviam tanto como ameaças veladas às grandes cidades europeias como símbolos do poder militar Soviético.  A destruição que uma ogiva de 2 magatoneladas provocaria numa cidade como Londres ou Berlim era (e é) inimaginável e iria resultar, certamente, numa resposta com ICBMs dos EUA ou, em menor escala, no uso de mísseis Polaris lançados de submarinos Ingleses contra cidades Russas.  Por outras palavras, a confirmação da doutrina MAD (Mutually Assured Destruction). 

Portanto, o Pacto de Varsóvia iria responder imediatamente com o mesmo tipo de armas nucleares de curto e médio-alcance; artilharia, foguetes (FROG) e ataques aéreos tácticos.  Mas os Russos dispunham de outras opções, mais devastadoras e muito mais preocupantes; nomeadamente, os mísseis balísticos SS-4 Sandal (R-12 Dvina) e SS-5 Skean (R-14 Chusovaya).  Vamos analisar com algum detalhe para perceber do que realmente são capazes.  O Sandal foi um MRBM (Medium-Range Ballistic Missile) de bastante sucesso, famoso pela crise dos mísseis de Cuba, e produzido em grande escala.  Tinha um alcance de cerca de 2000km e uma ogiva de 1 a 2 megatoneladas.  Conforme vemos na simulação no mapa, este alcance permitia-lhe cobrir praticamente toda a Europa Ocidental (lançado de bases na Letónia ou Lituânia, por exemplo). 

Mas convém realçar outras duas características; primeiro, era um míssil que usava combustível liquido, o que significa que poderia demorar entre 30 minutos a 3 horas para ficar pronto a ser lançado – dependendo do nível de preparação.  Isto é relevante porque torna o Sandal um míssil de retaliação (ou “second strike”) e não uma arma de resposta rápida.  Outro aspecto importante é o fraco CEP (Circular Error Probable); por volta de 2-3km, útil apenas para atacar alvos de “countervalue”.  

Uma pequena tangente para explicar a diferença entre “counterforce” e “countervalue”.  O primeiro envolve o ataque a alvos directamente relacionados com as forças nucleares inimigas; silos de mísseis balísticos, bases aéreas de bombardeiros estratégicos, portos de mar (SSBN), postos de comando nacional, etc, enquanto os alvos de “countervalue” não são militares mas preciosos, e também estratégicos, para o adversário (grandes centros populacionais e estruturas civis industriais).  Mas o que os diferencia em termos operacionais?  Essencialmente, a precisão dos mísseis.  Alvos de “counterforce” são, geralmente, pequenos e muito bem protegidos – silos reforçados com vários metros de betão ou centros de comando subterrâneos – que exigem ogivas de grande potência e/ou precisão.  A letalidade de um míssil é uma função do rendimento da ogiva, composição do solo, integridade estrutural do alvo e da precisão da ogiva.  

Destes, a precisão é o mais importante.  O diagrama acima ajuda a entender; para garantir a destruição (com 90% de probabilidade) de um silo construído para resistir a 1000psi, um míssil com uma ogiva de 10 megatoneladas tem de acertar a, no máximo, 550m de distância.  Se a precisão por melhorada em 50% (para 275m), uma megatonelada será suficiente.  

Assim sendo, o Sandal, com um CEP de 2-3km, não era capaz de ser usado contra alvos militares reforçados.  Era, para citar um general Inglês, um “city-killer”, uma arma útil apenas para eliminar grandes cidades.  Quanto ao SS-5 Skean, era uma evolução directa do Sandal mas com o dobro do peso, cerca de 80t.  O precisão era um pouco melhor ao contrário do alcance, que quase dobrou, para 3700km – alargando a ameaça até à Gronelândia, Norte de África e Médio Oriente.  Com este aumento de alcance o Skean entrava na classificação de IRBM (Intermediate-Range Ballistic Missile). 

Estas armas mantinham toda a população da Europa refém e poderiam fazer a NATO pensar duas vezes antes de usar qualquer tipo de arma nuclear.  São estes os ténues equilíbrios das doutrinas nucleares, das respostas e das inevitáveis, e imprevisíveis, contra-respostas.  Estes equilíbrios, reais ou imaginários (o bluff e a dissimulação fazem parte do jogo), são positivos porque o medo das contra-respostas influenciam muito o ângulo e o âmbito das decisões e das estratégias.  Mas, no final dos anos 70, este muito frágil equilíbrio foi posto em causa por uma nova arma russa.  Uma arma que colocou a NATO à beira de um ataque de nervos…



Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro


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