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sábado, 3 de maio de 2014

CHUCK YEAGER: DIÁRIO DE UM ABATE NA II GUERRA MUNDIAL - 5 (M1566 - 149PM/2014)

Chuck Yeager    Foto: USAF


Capitulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3 
Capítulo 4

25 de março de 1944 - Os Maquis põem-me a andar

Os Maquis vivem das povoações, não vivem dos bosques. As povoações são perigosas, infestadas de alemães e polícia de Vichy, mas a malta infiltra-se para comprar comida, cigarros e medicamentos, usando selos de racionamento e dinheiro falsos. Fico espantado de nunca niguném ser apanhado, ou se são, se calhar não me dizem.

Mas nesta tarde de chuva, Robert chama-me de parte para me dizer que vou acompanhar dois elementos do grupo para ir à cidade. Sorri e dá-me uma palmada nas costas. "Não te preocupes" diz. "Simplesmente mantém-te com eles". Depois vira costas e afasta-se. Não o voltaria a ver durante 64 anos.

Não estou muito contente coma situação, mas os dois tipos que tenho que acompanhar começam a caminhar pela floresta e apresso-me para os alcançar. Será isto uma cilada? Será demasiado perigoso?
Não andamos muito. Está uma carrinha parada à beira da estrada de terra usada por lenhadores; assim que nos aproximamos, a traseira abre e um jovem estende-me a mão para que eu entre. Agarro-lhe a mão, trepo para dentro e arrancamos.

Está escuro como breu na traseira da carrinha e o meu companheiro não fala inglês, mas não preciso que me digam que é agora; vamos em direção ao Sul, para os Pirinéus. Finalmente. Mas ainda falta muito para a liberdade. Falta muita neve. Um metro de neve ou mais nalguns sítios. Como vamos atravessar os Pirinéus nisto? Não me importo. Vou arranjar uma maneira... espero eu!

Andamos várias horas até a carrinha parar. É início de noite, mas está escuro e a chuviscar e estamos parados encostados a um muro, naquilo que parece ser uma estrada secundária numa aldeia qualquer. à espera. 
Um francês leva-me a atravessar a estrada, onde outro camião está parado, com o motor em ponto-morto. Sigo-o com muita fé, com os olhos a registar tudo, no caso de precisar de fugir e desaparecer rapidamente.

26 de março de 1944 - No sopé dos Pirinéus

Sentados nos bancos e ninguém diz nada. Principalmente porque estão demasiado ocupados a agarrar-se, enquanto o condutor deambula por estradas secundárias ao 80 km/h ou mais. Ouço o tipo sentado ao meu lado murmurar "Jesus Cristo". Suponho que estou com uma data de tripulantes de bombardeiros que vão atravessar os Pirinéus juntos.
Depressa as mudanças lá à frente estão a variar entre a primeira e a segunda, assim que começamos a subir em zonas inclinadas. Era bom atravessar as montanhas para Espanha sobre rodas. Uma lanterna é ligada por um tipo sentado no fim de um dos bancos. Mete-se no chão entre o resto de nós. É um francês que fala bem inglês. "Estamos nos arredores de Lourdes" conta-nos, "em direção ao sopé das montanhas". Distribui-nos mapas feitos à mão, com detalhes para no nosso caminho. "Podem ir juntos em equipa, ou em pares. Provavelmente vai levar-vos quatro ou cinco dias a atravessar, dependendo do tempo. Tem estado mais ameno, pelo que penso que não vai haver nevões. Mas vai ser difícil - não vos vou enganar. A parte mais perigosa será mesmo antes da fronteira com Espanha. Está muito patrulhada pelos alemães e há todo o tipo de contrabandistas, refugiados, militares e pessoal como vocês, a tentar atravessar. A vossa melhor aposta será tentar atravessar à noite, o mais tarde possível. Marcámos no mapa uma travessia pelo sul, quanto mais pelo sul melhor, porque os espanhóis do norte têm o mau hábito de entregar pilotos americanos à Gestapo e receber alguns francos de recompensa. Se isso acontecer, podem esperar ser torturados, para contarem tudo o que sabem sobre nós, e depois são levados para execução. Por isso, tenham cuidado".
Reparo num monte de mochilas cheias, empilhadas de encontro à cabine. Quando finalmente paramos, bem depois da meia-noite, no meio de nenhures, cada um de nós agarra numa mochila e sai do camião. "Estão no ponto de partida" diz-nos o tipo. "Há uma barraca dum lenhador a cerca de cem metros, diretamente à frente. Podem usá-lo. Mas nada de fogueiras ou conversas. Esta zona é patrulhada. comecem ao nascer do dia. Hoje é 25 de março. Com sorte, podem contar em estar em Espanha a 29 ou 30."
Deseja-nos sorte e arranca no camião.
Passamos a noite a tremer na cabana... apenas com os nossos pensamentos. tento dormir alguma coisa - parece que temos alguns desafios pela frente.

NOTA: Conheci recentemente a mulher do neto do condutor recentemente. Estive em casa dele, onde trocámos de veículo. Bonita zona. Como estive lá à noite da primeira vez, não tinha notado.

Março de 1944 -  Fugindo aos alemães pelos Pirinéus

Aos primeiros alvores, pomo-nos a andar na chuva, decididos a pelo menos começar juntos e ver depois como resulta. Ao meio-dia, dois de nós chegaram à zona sem árvores, com ventos fortes. Os outros não se encontram à vista. Os franceses mandaram-nos pão, queijo e chocolate nas mochilas.
A neve não derreteu nada. Na verdade tem quase um metro e nalguns sítios mais. Os Pirinéus fazem os montes da nossa terra parecer planícies. Atravessamos ligeiramente a sul da cordilheira central, que forma a fronteira entre a França ocupada e a Espanha "neutral". Os montes mais altos têm 3300 m, mas parece-nos que não vamos subir a mais de 1800 ou 2100 m. O problema é que estamos temos neve até aos joelhos e acima. Atravessamos passagens tão escorregadias, que o fazemos sentados. Continuo a perguntar-me porque é que os Maquis não esperaram até a neve derreter.

Soube há um par de anos - quando revisitei a zona - que 1944 foi um inverno muito rigoroso e que Gabriel, o presidente da câmara de Nerac, chefe dos Maquis, recebera uma informação de que a Gestapo tinha sido informada e viria a Nerac para nos cercar, poucos dias depois de eu ter partido. Um fazendeiro recusou-se a abandonar a sua casa. Foi levado e nunca mais se ouviu falara dele.
O Gabriel saiu pelas traseiras, quando a Gestapo lhe entrou pela frente de casa. Correu para o cemitério e escondeu-se num caixão. Depois escondeu-se nos bosques por seis semanas, deixando o Dr. Henri o sub-chefe dos Maquis no comando. Muitos anos depois foi aí que o Gabriel foi sepultado.

Primeiro descansamos a cada hora, depois a cada meia-hora. Mas à medida que subimos para o ar mais rarefeito, paramos a cada 10 ou 15 minutos, frios e exaustos. A subida é infindável, e tenho que me perguntar quantos dos nossos realmente conseguiram atravessar estas montanhas e quantos ficaram a alimentar os corvos que grasnam por cima das nossas cabeças. Dormimos e descansamos quando podemos, usando rochas para nos abrigarmos como podemos do constante vento gélido. Temos os pés dormentes e estamos ambos preocupados com as queimaduras do gelo. Os franceses deram-nos quatro pares de meias de lã. Usamos dois pares de cada vez, mas as botas deixam entrar água.
Pelo fim do segundo dia, não temos a certeza há quanto tempo estamos por aqui; perguntamo-nos se estaremos perdidos. Já tarde no dia seguinte, estamos prontos a desistir. devemos estar perto da fronteira, mas nuvens baixas restringem-nos a visibilidade a menos de 15 metros. São quatro da tarde e estamos tão exaustos que até podíamos dormir entre cada duas passadas, abanando como dois bêbados. Penso que este é o tipo de situação que precede acidentes fatais...

Março de 1944 -Escapando aos alemães nos Pirinéus - andando devagar

Exaustos de subir durante dois dias e uma noite em quase um metro de neve, sem muito para comer, adormecemos numa cabana que encontrámos. pareceram poucos minutos até ouvirmos barulho de tiros. Os alemães tinham encontrado as meias do outro tipo, que ele tinha pendurado para secar. Disparar e perguntar depois. Fugi pela janela das traseiras e ele veio atrás de mim. Tive de o arrastar - foi atingido. Empurrei-o por uma passagem íngreme e saltei logo atrás. Ambos aterrámos num riacho. Daí em diante tive que o carregar. Bem, carregava-o nas subidas e empurrava-o na neve nas descidas, à medida que subíamos e descíamos, embora sempre ganhando altitude. Descansando a cada 10 minutos pelo que nos parecia. Andando devagar. Mas tendo os alemães a disparar nas nossas costas, dáva-nos muitas razões para continuar.

Soube anos mais tarde que esta era a pior zona dos Pirinéus - o melhor para fugir aos alemães, que não gostavam de subir às zonas mais inclinadas. Eu também não gostei muito.
Andei o máximo que consegui, encontrei algum abrigo para nós e parei para uma pequena sesta. Simplesmente já não conseguia avançar um pé à frente do outro.
Mas apenas dormitei - um olho meio aberto e um ouvido à escuta de passadas ou neve a ser calcada.

(Continua)

Texto: Victoria Yeager
Tradução : Pássaro de Ferro





sábado, 26 de abril de 2014

CHUCK YEAGER: DIÁRIO DE UM ABATE NA II GUERRA MUNDIAL -4 (M1555 - 140PM/2014)

Fiesler Storche - avião de reconhecimento da Luftwaffe

Capitulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3

18-19 de março de 1944

 Regressamos de bicicleta a Nerac em tempo recorde e enfiamo-nos no esconderijo da casa do Gabriel. À noite o Raoul sai. Gabriel leva-me para a floresta. Uh oh!
Caminhamos durante horas. Estou alerta. Para onde me leva? Porquê? Tento não pensar em tanto frio que está.
Após várias horas, encontramo-nos com um grupo de homens de ar bastante duro. Gabriel explica que devo ficar com eles por agora. Na aldeia é muito perigoso. Mais Gestapo vai chegar.
Comemos alguma coisa e Gabriel parte. Fico com cerca de 20 homens. Levantamo-nos e caminhamos mais. Estou exausto, mas caminhar sempre me mantém quente. Finalmente, com a primeira luz, procuramos abrigo nos bosques cerrados, aninhamo-nos e mergulhamos num - especialmente para mim - muito necessitado sono. A neve na verdade permite algum calor. Alguns homens regressam atrás e redirecionam o nosso rasto.
Estava ainda agora a habituar-me ao Gabriel e ao Raoul. O que se segue? Posso confiar nestes tipos?  Para onde vamos?
Uma coisa acho que compreendo: os alemães andam à nossa procura.

20-21 de março de 1944

A maior parte do tempo não faço ideia de onde estamos. Estamos constantemente em movimento, acampando duas vezes por dia para comer e dormir, nunca ficando no mesmo local mais do que algumas horas de cada vez.
Os alemães estão sempre no nosso encalço, com os Fiesler Storches a rasar a floresta, enquanto corremos a abrigar-nos debaixo das árvores maiores que encontramos. Estamos bem armados: pistolas-metralhadoras Sten britânicas e Llama automáticas espanholas de .38 - e eu ia adorar disparar um par de rajadas aos malditos Storches, acertar no radiador na barriga e abatê-lo. Mas se o piloto transmitisse por rádio a nossa localização, teríamos a Luftwaffe a bombardear estes bosques em 15 minutos. Claro que nunca sabemos com certeza se fomos localizados por um dos aviões de reconhecimento e a nossa posição transmitida. Por isso ficamos alerta como os veados, sabendo que cada passo pode levar-nos a uma emboscada alemã. Já aconteceu antes nestes bosques, apesar de normalmente serem os Maquis aos alemães e não o contrário - atacar uma patrulha a pé alemã, ou pulverizar uma pequena coluna militar motorizada.

Os Maquis escondem-se de dia e atacam à noite, destruindo pontes, sabotando linhas de caminho de ferro, rebentando comboios de munições ou equipamento militar. Através da resistência francesa, dúzias de grupos de Maquis como o nosso, escondem-se nas florestas e montanhas, mas ligadas às cidades e aldeias do sul de França. Os seus que trabalham em quartéis e campos de treino, mantêm-nos informados dos últimos movimentos de tropas e munições. Mas é complicado, porque todas as povoações têm informadores ou agentes-duplos. E de tempos a tempos, são levados a cabo assassinatos contra esta gente, por apoiantes pró-Nazis ou agentes do Governo de Vichy. Pergunto-me se haverá agentes duplos neste grupo.

Passear pelos bosques franceses em roupas civis, não é propriamente seguro para um aviador americano abatido. Se eu for apanhado, provavelmente enfrento o mesmo destino destes Maquis - entregue à Gestapo para interrogatório- tortura e depois fuzilado. Ao viajar com os Maquis, a Convenção de Genebra para Prisioneiros de Guerra não se aplica a mim. Mas preciso deles, se quero sair atravessando os Pirinéus. Só esperamos as neves derreterem para o podermos fazer. Está a ser um inverno anormalmente frio, com neve alta. Parece que nunca vai derreter....

22 de março de 1944

Estamos na floresta a comer ao raiar da aurora.
Ouvimos o avião alemão. Todos param. Ouvimos. É bastante próximo. Verificamos as redondezas. Estamos bem cobertos mas... recentemente alguns do grupo haviam saído para emboscar uma patrulha alemã. Os alemães estão chateados. Ninguém se mexe.
Depois de passar, acabamos de comer rapidamente, guardamos as coisas e pomo-nos a andar, mantendo-nos a coberto.
Faz outra passagem. Demasiado perto. Quando ou ouvimos todos ficam petrificados. Ninguém ousa mexer um músculo.
Enquanto estamos em movimento estamos todos a prémio, no caso de sermos detetados do ar e uma patrulha alemã querer retribuir o favor e emboscar-nos.
Estou com comichão para voltar para dentro de um avião. E abater o avião patrulha.

23 de março de 1944

Os Fiesler Storches não nos encontraram... ainda.
Viajo com os Maquis, mas não me deixam participar nas atividades noturnas. São um grupo fechado e eu sou nitidamente um intruso. A maior parte do tempo nem sei o que estão a preparar. Deixam-me para trás com um velhote que é o cozinheiro e alguns outros a guardar o acampamento. No primeiro dia por exemplo, mugi uma vaca que dois deles pediram "emprestada" numa quinta enquanto caminhávamos para o novo acampamento. Mais tarde ajudei a desmanchar carne, o que de algum modo divertiu os Maquis. faço o meu melhor para contribuir como posso. Não quero ser dispensável.
A neve parece não ter intenção de derreter e deixar-me escalar os Pirinéus para escapar para Espanha.

24 de março de 1944

Sou o primeiro piloto americano que conhecem e estão curiosos acerca do que eu penso da Força Aérea Alemã. Digo-lhes que o FockeWolf 190 é um sacana dum grande caça. Provavelmente ao nível do nosso P-51 Mustang. Mas o Mustang com depósitos nas asas pode escoltar bombardeiros até ao interior da Alemanha, o que é uma tremenda vantagem para a campanha americana de bombardeamentos diurnos. Apesar dos nossos serviços de informação nos terem avisado que os alemães chamaram os seus melhores pilotos da frente russa para lutar contra nós na Alemanha, digo-lhes que a diferença entre os caças não é tão importante como a diferença entre as capacidades dos pilotos que os voam, e até agora os americanos têm provado a sua superioridade com uma relação de abates de 1 para 10.
R. traduz isto e todos sorriem e acenam com a cabeça ao que eu digo, com exceção de um cabeçudo de que não gostei desde o primeiro momento que o vi. Não gosto nem confio nele. Faz uma pergunta em francês que faz com que R. franza o sobrolho e discuta com ele, por estar sequer a perguntar aquilo. Finalmente, Robert coloca-me a pergunta do cabeçudo em inglês. "Se os americanos são tão bons como tu dizes, porque é que nós vemos americanos a cair do céu como granizo - e porque estás tu aqui connosco?"
O FDP!
Comemos debaixo das árvores, a nossa mesa é uma tábua comprida. Fizeram uma grande panela de feijão e bife, da vaca que matámos. Olho para o fundo da mesa e vejo o cabeçudo a empanturrar-se de rancho, com o boné enterrado até às sobrancelhas. Levanto-me, aproximo-me dele, tiro-lhe o maldito chapéu e pouso-o na mesa.
Ficou furioso. 
Mexe no cinto, tira a Llama, arma-a e coloca-a na mesa junto a ele, e coloca outra vez o boné.
Levanto-me pego numa Sten, destravo-a, ponho-lhe o carregador mesmo em frente do nariz do cabeçudo. Um toque no gatilho e dispara uma rajada de cerca de 30 balas. O cabeçudo fica branco como a cal. Tiro-lhe o boné da cabeça e atiro-o de encontro à mesa.
Os outros mordem a língua para não se rirem, porque o cabeçudo é sempre normalmente um chato, mas finalmente todos explodem. 
O cabeçudo força um sorriso amarelo. O boné ficou na mesa e vai lá continuar.
Até vários saírem em missão e me deixarem sozinho com o velhote e alguns guardas.
Quando tento ferrar o olho começa a nevar. Resmungo. Isto não ajuda nada - vai atrasar a minha travessia dos Pirinéus ainda mais. Quem me dera poder ir nas missões. Quem me dera ter um avião com metralhadoras carregadas...

(Continua)

Texto: Victoria Yeager
Tradução: Pássaro de Ferro


sábado, 19 de abril de 2014

CHUCK YEAGER: DIÁRIO DE UM ABATE NA II GUERRA MUNDIAL -3 (M1545 - 130PM/2014)

Um dos poucos Halifax restantes - ainda quem em má condição - está no museu da RAF em Londres
Capitulo 1
Capítulo 2

12 de março de 1944

Mais pescaria, futebol e passeios pelos bosques. Esta é a zona do foie gras, mas os gansos são poucos. Também é a zona do vinho de Bordéus - mas são escassos. Os alemães levaram quase tudo o que os camponeses não esconderam.

13 de março de 1944

Dizem-me para descansar. Jean parece um pouco triste - o seu amigo vai partir. E o seu irmão já não o visita há séculos.
Não posso ficar muito tempo num sítio... vou mudar esta noite...

Noite de 14 para 15 de março de 1944

O Dr. Henri vem buscar-me à quinta. É uma cara acolhedora. O Dr. Henri foi uma das primeiras pessoas que vi depois de escapar do meu avião. Tratou das minhas feridas. Fala inglês bastante bem. É judeu, pelo que todos evitam o seu último nome "Cahn" - alguns chama-lhe mesmo Dr. Henri Bibi para o proteger. Toda a sua família foi dizimada pelos alemães. O próprio Dr. Henri escapou de um campo.
A ideia de me mover, fazer qualquer coisa, especialmente em direção ao sul, para mais perto de Espanha e escapar é bem-vinda.
Despeço-me e agradeço à família. Eles estão em grande risco comigo aqui - nunca se sabe quem pode falar. Mais alemães vieram até Houilles, que fica perto de onde o avião alemão caiu.
O casal ficará seguro agora, depois de eu partir. Até ajudarem o próximo camarada... que boa gente.
O Dr. Henri e eu pedalamos toda a noite e dormimos nos bosques durante o dia. Depois mais umas pedaladas até aos arredores de Nerac. O Dr. Henri deixa-me então com Gabriel La Peyrusse.
Gabriel tenta esconder-me no sótão da sua casa, mas eu não alinho - não tem fuga e é demasiado óbvio. Esconde-me então no celeiro, nas traseiras da casa e perto da horta.
O Gabriel cultiva vegetais como profissão, mas é também o Presidente da Câmara de Nerac. E comandante dos Maquis (NR: Resistência Francesa das zonas montanhosas). O Dr. Henri é o segundo na linha de comando.
Estou bastante cansado, pelo que confirmo todos os caminhos  de fuga e "aterro" na parte de trás do celeiro, atrás da palha. Já não é a primeira vez.
Penso no que se seguirá... e mergulho sonoramente no sono.

15 de março de 1944

Gabriel é um tipo exuberante e muito grande. Vive a vida em grande, ri em grande, come muito, bebe muito. Tem um talento indescritível para manobrar entre os alemães, os Maquis e os cidadãos de Nerac. Leva os seus vegetais ao mercado todos os sábados. Encontra-se com outros Maquis numa outra casa. Outro membro tem o rádio para comunicar com o exterior. Esse tipo entrega ao Gabriel no mercado, ao sábado, as mensagens da semana. Vende flores na banca ao lado da do Gabriel.

16 de março de 1944

Tédio misturado com momentos de alerta, quando ouço barulhos estranhos. Aventuro-me a ir mais perto da estrada - observo os transeuntes, ao abrigo da sombra de uma árvore. Penso no meu próximo passo. Como vou voltar para os americanos ou Aliados e combater? O que se passa na guerra?
Gabriel chama-me para dentro. Espera visitas. Tenho que me manter calado. Eles vão-lhes dizer que eu sou surdo-mudo - ou pelo menos mudo. Dois jovens da minha idade ou um pouco mais novos aparecem - um irmão e uma irmã pelo aspeto. A irmã parece interessada em mim. Faço como Gabriel me disse, mas ela é bastante atraente... e já lá vai bastante tempo...

16 de março de 1944

A rapariga partiu. Não tive qualquer hipótese. Na verdade era muito perigoso - nunca se sabe quem está de que lado.

17 de março de 1944

Não tenho muito que fazer pelo que me aventuro perto da estrada à sombra da árvore para ver as pessoas passar. Penso no futuro e em como hei de voltar para os americanos e combater.
Enquanto aí estou sentado, um grande grupo de soldados alemães passa a marchar. Não mexo um único músculo. Depois de passarem volto a respirar. Gabriel, apoplético deixa bem claro: se eu não me mantenho escondido "eu e ele" - e faz um sinal com o polegar à volta da garganta. Glup!
Volto para o esconderijo. Simplesmente não sou bom para estar parado sem trabalhar ou fazer algo útil, mas ser torturado ou causar a morte ao meu benfeitor, também não é a melhor ideia de um tempo bem passado.

Gabriel manda-me com o Raoul de bicicleta para a casa de família do Gabriel. Pouco sei, além de que tenho que ir com o Raoul. Espero poder confiar nele.
Chegamos a casa dos pais de Gabriel em três horas. Tenho as pernas desfiadas, mas não tenho alternativa nem carro. Descansamos uma hora e depois pedalamos mais uma milha até um campo.
Ouvimos um Halifax a aproximar-se. Por um segundo, o campo ilumina-se com velas em duas linhas; depois fica escuro.
Sempre me perguntei como é que o Halifax conseguia identificar o ponto de largada com tanta exatidão no escuro. É uma excelente navegação.
Soube anos depois pelo Raoul que o sinal era uma emissão de rádio: "vai chover esta noite". Gabriel recebeu a emissão e passou a palavra ao Raoul para o ir visitar. Na visita, Gabriel disse-lhe a mensagem e tirou-me de casa, onde os alemães poderiam regressar, para saber quem estava sentado no quintal. Todos os jovens homens estavam normalmente recrutados para campos de trabalho, pelo que era pouco usual ver um jovem sem fazer nada num quintal.
O Halifax faz apenas uma passagem. Mas que passagem - montes de bidons, presumivelmente cheios de abastecimentos necessários.
Raoul faz-me sinal para recolher os materiais, carregar os vagões e os camiões. Os camiões eram os mesmos fornecidos pelo misterioso belga dono da fábrica de lápis. Ajudou muito a Resistência francesa e os aviadores como eu. Desapareceu depois da Guerra, pelo que nunca pude agradecer-lhe.

Quando acabamos os carregamentos, outros conduzem e levam os camiões. Gabriel e eu voltamos à casa dos seus pais, comemos alguma coisa e dormimos o resto da manhã e parte da tarde. Quando acabo de dormir, pego na bicicleta e passeio pelo campo. Parece-me boa ideia conhecer a zona e manter-me em forma. Não sei qual será a minha estrada de fuga, mas não quero que a minha baixa forma seja a minha ruína. Não me apercebi o quanto assustei o Gabriel ao fazer isso (contou-me anos depois) - estava muito preocupado dque algo me acontecesse enquanto eu estava entregue aos seus cuidados.
Quando regresso, o Gabriel está preocupado - recebemos explosivos plásticos, mas ninguém sabe colocar os detonadores. Bem... eu sei.
Gabriel fica surpreendido, desconfiado e depois aliviado quando lhe digo que o meu pai era perfurador de poços de gás.
Mostro-lhes com se faz. Mas não me levam nessa noite em missão, para explodir a ponte de Damazan e o canal que é a principal ligação entre Bordéus e Marselha, não só para o tráfego aquático, como de veículos terrestres, como também a linha telefónica atravessava essa ponte.
"Demasiado perigoso", diz.
Soube anos depois: o trabalho "diurno" do Raoul era de guarda noturno dos alemães - guardar as pontes!

Enquanto eles não estão, faço o máximo de detonadores que consigo durante esse tempo. Quando regressam, Raoul e eu pedalamos até Nerac.
Só soube porquê depois.

(continua)

Texto: Victoria Yeager
Tradução: Pássaro de Ferro


sábado, 12 de abril de 2014

CHUCK YEAGER: DIÁRIO DE UM ABATE NA II GUERRA MUNDIAL -2 (M1526 - 120PM/2014)

Encenação de Messerschmidt Me-109 abatido - Imperial War Museum Duxford

6 de março de 1944 - Atrás das linhas do inimigo

Pela manhã ouço batidas rítmicas. Rastejo para o exterior para poder ver - é um lenhador a cortar madeira. Tinham-nos dito, caso fossemos abatidos atrás das linhas do inimigo, para nos aproximarmos de pessoas modestas - eram mais prováveis de nos ajudar. Este parece assentar como uma luva. Jogamos a charadas - ele não fala inglês, eu não falo francês. Diz-me para esperar onde estou - ele regressaria.

Movo-me 50 metros, reposiciono-me, protegendo-me do local onde nos encontrámos, mas simultaneamente com uma boa visão do sítio. Ele regressa com dois homens, sussurrando "americano, onde estás?". Eu respondo a sussurrar também. Estão desarmados e não são ameaçadores, pelo que me apresento. Levam-me a uma senhora russa que fala inglês. Ela gere um hotel spa. A sua filha de 14 anos está lá também.

As suas primeiras palavras foram "já se acabaram os homens todos na América e têm que mandar rapazes?"
Eu: Tenho 21 anos - é mais ou menos a idade certa.
Ela resmunga e tenta de novo:
-É casado?
Eu: Não
- Mas está a usar uma aliança! - diz apontando para a minha mão direita.
Olho e explico: "É a minha aliança de liceu"
-Mas é o dedo da aliança de casamento.
Ao que respondi: "na América usamos a aliança na mão esquerda".

Acho que passei - não sou tomado por um alemão a tentar infiltrar-se nos Maquis (NR: Grupos da resistência francesa que se escondiam nas regiões montanhosas). Dão-me roupas civis e escondem-me no celeiro. 
Chegam alguns alemães e começam a procurar. Consigo ouvi-los no exterior. Entram e começam a picar na palha. Estou tão longe deles quanto me é possível. Desejando apenas que não dêem por mim. Fico grato pela falta de comida e por estar magro - podem gozar o que quiserem comigo por causa disso - talvez eu caiba entre dois dentes da forquilha e serei eu o último a rir. O tempo abranda - parece que dura eternidades.

Depois dos alemães saírem, posso respirar outra vez. Os franceses dizem-me para descansar - nessa noite vão levar-me para outro abrigo. Ótimo. Este era perigoso. Mas já cá estiveram e provavelmente não vão voltar.

6 de março de 1944 - Noite

Movemo-nos de bicicleta: vamos até Castaljaloux onde me colocam nas traseiras de uma casa pelo resto da noite  e o dia seguinte. É mesmo no centro da cidade. Os vizinhos ficam próximos. 
Os alemães ainda andam à minha procura, mas já estiveram nesta casa. Esperemos que não voltem. Não sei por quanto tempo vou ficar aqui. 

7 de março de 1944

Escondo-me durante o dia na cave da casa em Castaljaloux. É preciso ir até às traseiras da casa para poder entrar aqui. Não me sinto tranquilo, mesmo no meio da cidade. Há rumores de que vizinhos denunciam outros vizinhos nesta cidade. Imagino o que fariam se soubessem que há um piloto Aliado escondido na vizinhança.

À noite, dois homens levam-me para uma quinta na estrada para Houilles, onde passo uma semana com um jovem casal e o seu pequeno filho de seis anos, Jean. Fica consideravelmente longe. A casa está atrás de algumas árvores altas e arredada ada estrada principal. 
Durmo de novo no celeiro. Sinto-me menos inquieto - estou nos bosques, onde há muitos sítios para me fugir e esconder-me.

8 de março de 1944

Joguei futebol com o pequeno Jean. Depois ele levou-me até um pequeno lago para pescar. Estou alerta. Os alemães continuam de ronda à minha procura. Soube que os alemães que me abateram aterraram num campo de aviação a poucas milhas de distância. O paraquedas do alemão não abriu. Está tudo demasiado próximo para me sentir confortável. Mas estamos nos bosques e todos os dias os exploro, para descobrir ao certo o máximo de caminhos de fuga possíveis.

Se eu for apanhado, não só eu, mas também esta família, será torturada e morta. Eles estão verdadeiramente a arriscar o pescoço por mim e eu estou agradecido.
Imagino o que se segue.

9 de março de 1944

Jean e eu vamos até ao lago grande para pescar. Ele, tão alerta como eu e bastante mais sábio do que a sua idade, mostra-me o caminho escondido. Convivendo com o Jean, aprendo um pouco de francês. Mas ainda falta muito.
Trazemos alguns peixes para o déjeuner (almoço). A jovem mãe faz-me uma camisa do tecido do paraquedas. Dão-me também um boné. Na verdade fico com um aspeto bastante francês na minha nova vestimenta. É um inverno bastante frio, aparentemente pouco usual aqui - mas consigo aguentar. A Virginia Ocidental pode ser gelada também. Ainda assim fico satisfeito com o casaco que me dão.

O casal tem empenhado o pescoço para me manter seguro . Parece que já ajudaram muitos: judeus, católicos, outros em fuga dos alemães e da França de Vichy.

O filho mais velho deles está a trabalhar com a Resistência Francesa algures nesta área. Não sabem dele há algum tempo e estão preocupados.

10 de março de 1944

Jean volta a correr. Estava escondido perto da estrada. Passaram alguns alemães provavelmente para o sítio onde o piloto e o avião alemão tinham caído.
Circulam rumores de que alguns franceses simpatizantes dos alemães entregaram vizinhos que ajudavam alguns jovens a fugir a serem levados para campos de trabalho.

O casal diz ao Jean para me levar para o esconderijo especial no bosque e esperar até o pai nos ir buscar.

Como desejo voltar ao P-51 e metralhar o inimigo, para livrar esta gente e a mim.

Jean e eu apressamo-nos silenciosamente a embrenhar-nos no bosque.

11 de março de 1944

O pai regressou ainda ontem antes de anoitecer, para nos buscar. Estávamos relativamente seguros nos bosques - os alemães têm algum medo de ser emboscados. Estou a ficar alo ansioso. Vou passar aqui o resto da guerra? A guerra ainda continua? O que estava a acontecer?
As minhas feridas estão a cicratizar. Um pedaço de estilhaço na virilha e nas mãos. Tinha aplicado sulfamidas nessas áreas do primeiro kit de sobrevivência. O Dr. Henri tinha conseguido algo um pouco melhor. as minhas mãos estão muito melhor agora.
Como é que eu saio daqui e volto ao combate?

(Continua)


Texto: Victoria Yeager
Tradução: Pássaro de Ferro








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