Mostrar mensagens com a etiqueta História. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta História. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 11 de março de 2025

A AVENTUROSA VIAGEM DO PÁTRIA - De Portugal a Macau em avião, em 1924 [M2592 - 16/2025 ]


Em 2024 celebrámos o centenário da primeira Viagem aérea Portugal-Macau. Infelizmente esta grande epopeia foi apagada da memória dos portugueses, por conflitos políticos entre Sarmento Beires e o Estado Novo (tendo sido preso, exilado e expulso da Força Aérea - readmitido mais tarde). 
Celebram-se ainda os 50 anos do 25 de abril e de Liberdade,  não faz sentido  os portugueses não conhecerem a história destes 3 Heróis Nacionais, que realizaram a primeira viagem aérea, de Milfontes a Macau. 
Foi realizado o primeiro Crowfunding que se conhece, pois não foi permitido o uso de dinheiros da fazenda pública (ao contrário da primeira viagem transatlântica que teve apoio) e apenas viajaram com dinheiro do Povo português e de doações particulares. E devido a convergências políticas, esta viagem foi penalizada e não foi dado o devido valor. 
Este feito é valorizado não só, na história da aviação Nacional bem como na Internacional, sendo que Portugal esteve nas revistas e jornais da época e foram considerados como os Descobridores do séc. XX. Se nos descobrimentos tivemos Vasco da Gama a descobrir o caminho Marítimo para a Índia, em 1924, descobriu-se o caminho aéreo para a Índia e para Macau.
A Viagem teve dois grandes propósitos: o primeiro inscrever o nome de Portugal na história da aviação e o segundo propósito foi honrar Camões (pois foi em Macau que Camões viveu e escreveu os Lusíadas ou parte dele) e daí terem escrito na fuselagem do avião “ Esta é ditosa Pátria, minha Amada” dos Lusíadas.
Brito Paes, alentejano de Colos, tendo sido já premiado com o grau de cavaleiro na Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, em 1920 pela sua intervenção na 1ª Guerra Mundial, foi novamente condecorado, junto com os seus companheiros em 1924, obtendo o grau de Cavaleiro e de Comendador.
A Câmara Municipal de Odemira, o Museu do Ar e a Universidade do Porto juntaram-se para organizar as comemorações do Centenário.
Como professora de 1°ciclo e sobrinha bisneta do aviador, fui convidada a dar palestras nas escolas, tanto em Portugal como em Macau, e surgiu a ideia de escrever um livro sobre o feito, que foi lançado no dia 23 de novembro, na Escola Superior de Educação e Lisboa, "A Aventurosa Viagem do Pátria, de Portugal a Macau em avião, 1924" no âmbito das comemorações do Centenário da primeira viagem aérea Portugal-Macau, ilustrado por Leonor Almeida e editado pelas Edições Afrontamento.
O livro foi escrito para jovens e crianças, mas está a ser muito bem aceite pelo público mais adulto, pois está em formato de desenho e com um cariz de banda desenhada e rapidamente se consegue perceber a história real vivida por estes heróis nacionais.  


O livro conta com prefácio do Presidente da República e o seu Alto Patrocínio, a edição em Portugal teve apoio da Câmara Municipal de Odemira, Junta de Freguesia de Milfontes, Fundação Oriente, Fundação Jorge Álvares e Museu do Ar e recomendado por Luís Marques Mendes, no seu espaço de comentário na televisão. 
Este livro revela, não só a força portuguesa e o amor à Pátria destes três heróis nacionais, esquecidos na história, como também mostra que nunca devemos desistir dos nossos sonhos até alcançar o nosso objetivo. 
Com o lançamento e com a visibilidade do livro, surgiu a possibilidade de traduzir em Chinês, não só para os Macaenses/chineses residentes em Portugal, bem como residentes em Macau, já contado com diversos apoios de diferentes entidades.
A revista "Mais Alto" publicou, também, no seu número 468, de abril de 2024, um extenso artigo de 16 páginas sobre esta epopeia. 

A obra está disponível no site da editora (Afrontamento) e em livrarias como a Almedina, Bertrand, Fnac ou Wook (online).

Sinopse da obra:

Ao completarem o primeiro raide aéreo Lisboa-Macau em 1924, António Brito Pais, José Manuel Sarmento de Beires e Manuel Gouveia viveram uma aventura épica e deixaram inscrito o nome de Portugal na História da Aviação Mundial. Sem apoios financeiros e com um avião velho e pesado, voaram sobre territórios que até então nunca ninguém tinha ousado sobrevoar, nunca desistindo perante as muitas adversidades com que se depararam. Este livro narra aos jovens de hoje a extraordinária façanha destes três heróis e seu o amor à Pátria, mas também mostra que nunca devemos desistir dos nossos sonhos até os alcançarmos.

Biografia das autoras:

Filipa de Brito Pais Falcão (Lisboa, 1977), sobrinha-bisneta do aviador António Brito Pais, é professora do 1º ciclo, presentemente a lecionar em Palmela, onde reside, tendo antes ensinado em várias escolas, nomeadamente no Agrupamento de Escolas Brito Paes, em Colos (Odemira), na Escola Portuguesa de Moçambique e no Externato Frei Luís de Sousa – Almada, onde também foi aluna. Frequentou o curso de Direito, mas o gosto pela educação foi mais forte e licenciou-se na Escola Superior de Educação de Lisboa, estando na atualidade a concluir o mestrado em Administração Educacional. Casada e mãe de duas jovens adolescentes, é Dirigente no Agrupamento de Escuteiros do Corpo Nacional de Escutas, faz voluntariado e já viajou pelos cinco continentes, sozinha, em família ou com amigos.

Leonor Almeida (Covilhã, 2000) é ilustradora e designer licenciada em Design de Comunicação pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (2022). Tem participado em várias exposições e publicações, destacando-se a sua participação no livro colaborativo “50 Abris” (2024), editado pela Truz Truz Editora, e na ilustração da capa do volume 14 da revista londrina “Phi Magazine” (2023). Foi uma das artistas na edição de 2023 da mostra pública Poster Mostra em Marvila e recebeu uma menção honrosa do Prémio Lisboa Capital Verde. É cofundadora do coletivo artístico Entretanto, e desenvolve projetos de ilustração e design para diferentes formatos utilizando técnicas digitais e tradicionais.


Texto: Filipa Brito Pais
Edição: Pássaro de Ferro

segunda-feira, 8 de julho de 2024

General Dynamics F-16 Fighting Falcon, o “Caça Eléctrico” (Episódio 3) - [M2514 - 58/2024]

 Manutenção do Fighting Falcon (Episódio 3)

Quem são realmente os “donos” dos aviões de combate?  Os pilotos?  È uma ideia popular.  Afinal, são eles que voam aos seus comandos, costumam dizer “o meu avião” e fazem questão de colocar o nome e/ou insígnias perto do cockpit.  Outros dirão que os verdadeiros proprietários são a Força Aérea ou o Grupo/Esquadrilha a que a aeronave está atribuída.  Também faz sentido.  Mas ainda há quem diga, de forma mais desapaixonada, que os aviões pertencem ao Estado e, em última análise, aos contribuintes.  Talvez.  Mas para um grupo muito especial de profissionais, nenhuma das hipóteses acima está correcta.  Os aviões são dos mecânicos!  São eles que demonstram o maior sentido de posse, conhecem cada parafuso e caixa negra do aparelho, dedicam intermináveis horas a preparar, reparar e afinar os milhares de sistemas individuais e tem o maior orgulho em manter o “seu” avião nas melhores condições mecânicas (e de limpeza!) possíveis.  Há quem diga que é (quase) uma relação amorosa.  Os pilotos apenas pegam no avião durante uma hora ou duas e devolvem-no assim que aterram – e frequentemente conseguem avariar uma série de coisas nesse intervalo.  Pilotos…  Sabem quantos pilotos são necessários para trocar uma lâmpada?  Só um…ele segura a lâmpada e o planeta gira á volta dele…           

O contraste entre as linhas rectas, brutas e angulosas do Phantom e as linhas fluidas, suaves e elegantes do F-16 não podia ser maior.  Separados por um enorme fosso tecnológico mas unidos pelo mesmo sucesso comercial e pelo currículo intocável em combate.

   

O Sargento William Eckberg, mecânico da USAF, recorda a transição do seu amado F-4D Phantom para o F-16 em meados dos anos 70;

“Alistei-me na USAF no longínquo ano de 1974 e segui a carreira de mecânico de turbinas 43131C.  Depois da Escola Técnica na base de Sheppard, Texas, fui destacado para a base de Hill, no Utah, para a 388th TFW (Tactical Fighter Wing).  O meu primeiro avião foi um F-4D, número 650712 - era o meu orgulho e a minha alegria.  Recebi muitos elogios pela limpeza exímia e elevado estado de operação do avião.  Fiz o maior numero possível de cursos, queria aprender tudo sobre o F-4D, por dentro e por fora.  O meu avião acumulou o maior numero de horas operacionais de voo de todo o esquadrão.  Tanto que comecei a ganhar fama de ser um excelente mecânico, um verdadeiro “sabe-tudo” e, naturalmente, fui designado como instrutor.  Era fantástico trabalhar no F-4.  O avião tinha muitas alcunhas; javali, porco, trenó de chumbo…  Dizia-se que o F-4 era prova de que, com potência suficiente, até um tijolo consegue voar.  Mas tudo era dito com muita afeição, o avião era robusto mas trabalhoso de manter.  Para cada hora e meia de voo tínhamos de “arranhar” oito horas para o colocar de novo em condições.  Mas era fiável, apesar de dar muito trabalho, e identificar os problemas e arranjar soluções era um desafio que eu gostava particularmente.  Mas ainda falta falar dos “problemas a sério”, aquilo que nós mecânicos chamamos de “borradas induzidas pelo piloto” – asneiras que os pilotos nunca admitiam serem responsáveis…  A melhor parte era quando os pilotos perdiam alguma coisa no cockpit.  Tudo dependia de quem encontrava primeiro o objecto, se o piloto desse conta do esquecimento e regressasse a tempo de o recuperar ou se fossemos nós, mecânicos, a encontrar a prova do crime.   A “penalização” geralmente envolvia pagar uma rodada de cerveja (casos menos graves) ou uma caixa inteira.  O pior cenário era quando um piloto não encontrava algo e éramos obrigados a reter o avião no hangar.  Muitas noites foram perdidas a retirar assentos ejectáveis e caixas negras á procura de uma caneta ou isqueiro.  Não, esperem!  Pior ainda era quando, depois de desmancharmos o cockpit todo, o piloto surgia, envergonhado, com o dito objecto na mão – afinal, estava dentro do capacete.  Bom, nestes casos, o “culpado” tinha de nos ajudar a montar as peças todas no lugar – e pagar umas caixas de cerveja á malta.”     

Os mecânicos não poupam esforços na manutenção dos “seus” aviões.  Em algumas situações uma boa agilidade física e leveza de movimentos são essenciais para chegar a locais de difícil acesso!


“Lembro-me bem do dia em Novembro de 1978 quando pediram voluntários para o F-16; pois é, foi o que eu fiz.  A USAF tinha escolhido a 388th como primeira unidade operacional e o entusiasmo e antecipação pelo novo avião era palpável.  Ninguém falava de outra coisa.  O primeiro F-16 chegou em Fevereiro de 1979 desde Edwards, fez uma demonstração sobre a nossa base, passeou a baixa altitude e aterrou em grande estilo.  Aí estava a máquina; número de série 78001 e um belo avião de qualquer ângulo.  Mas agora vamos investigar porque nunca se deve voluntariar para nada no serviço militar – costuma ser uma má decisão!  No início o F-16 dava imensos problemas, demorou meses a eliminar avarias e falhas de sistemas – era raro conseguir extrair missões completas dos aviões.  Até pensei em voltar para o velho F-4 Phantom mas disseram-me que era impossível; “Lembra-te que te ofereceste para isto, William!”

Excelente visão do compartimento do motor.  De notar que toda a parte inferior da fuselagem traseira é removível para facilitar a remoção da turbina turbofan F-100.  As placas de cor escura são o revestimento de titânio para isolar o calor e logo a seguir, na zona central, de cada lado, é possível ver os encaixes para o motor.  A calha superior serve apenas para orientar e alinhar a turbina correctamente – não suporta praticamente nenhum peso.  Em baixo vemos vários componentes como as bombas do sistema hidráulico e o gerador principal.

“Mas então, o que correu mal?  Bem, o F-16 tinha falhas constantes no motor e a cablagem eléctrica era um autêntico pesadelo – estes eram os problemas principais.  Depois, um caso irritante e persistente com a porta do receptáculo de reabastecimento em voo.  A General Dynamics não colocou um indicador no cockpit para informar o piloto se a porta estava aberta ou fechada.  Perdemos um avião por causa disto - uma coisa tão simples.  Um belo dia um piloto Belga, numa missão de treino num modelo “A”, reabasteceu de um C-135 para completar a sua qualificação.  Passados 30 minutos após encher os tanques, o piloto informou por rádio que já tinha atingido “bingo fuel” (apesar de, supostamente, ainda ter os tanques das asas completamente cheios).  Acontece que, se a porta IFR ficar aberta, não é possível transferir combustível das asas para o motor e não existia nenhum procedimento de emergência na checklist que sequer mencionasse tal hipótese.  Pois é.  Assim que o piloto se alinhou para aterrar na base em Hill, o motor parou.  Sem outra solução, o piloto ejectou e o relutante F-16, talvez admirado por o piloto o abandonar, acabou por aterrar suavemente numa zona pantanosa sem partir quase nada.  Mais tarde trouxemos o avião para a oficina e, depois de uma limpeza e uns arranjos, ainda voou durante mais uns meses.  Para resolver este caso adicionamos um kit eléctrico em toda a frota com um interruptor na porta IFR e um avisador luminoso no cockpit; mais um problema resolvido mas, mesmo assim, o que eu queria mesmo era voltar para o meu querido F-4 Phantom!”

A porta e o receptáculo do sistema de reabastecimento em voo.  Conforme relata o texto, esta porta criou alguns problemas na introdução ao serviço do F-16 na base de Hill, no Utah.


Nota: O autor não escreve segundo as regras do atual acordo ortográfico.

Episódio 1

Episódio 2

Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro


domingo, 30 de junho de 2024

General Dynamics F-16 Fighting Falcon, o “Caça Eléctrico” (Episódio 2) - [M2509 - 54/2024]

 O “Contracto do Século”, 1974-1975 (Episódio 2)

Ninguém sabe bem a origem deste título.  Uns dizem ser uma analogia a um programa americano de TV com o mesmo nome, outros que se inspira num artigo do jornal Le Monde, intitulado “La Marche du Siècle”.   De qualquer maneira, o título era bem empregue porque referia-se ao enorme concurso para substituir uma inteira geração de aviões de combate ao serviço de quatro importantes Forças Aéreas da NATO na Europa.  Os governos da Bélgica, Holanda, Noruega e Dinamarca chegaram á conclusão que tinham um problema em comum; a obsolescência dos seus aviões de caça e ataque.  E, indo “às compras” em conjunto, teriam muito maior poder de negociação – não só em relação ao preço e condições de compra mas também quanto ás importantes contrapartidas industriais.  Mas, como é óbvio e natural, um negócio deste calibre iria atrair grandes pressões, comerciais e políticas.  Os Holandeses, por exemplo, tinham sido parceiros originais no programa MRCA (que daria origem ao Panavia Tornado) enquanto a Bélgica partilhava fortes laços com a Francesa Dassault; não só pelo uso dos Mirage 5 como pelo facto do famoso construtor Francês ser accionista da Belga SABCA.

O YF-16 em todo o seu esplendor.  A ideia por detrás do conceito do projecto LWF/ACF era clara; leveza, simplicidade técnica e máxima eficácia em combate aéreo próximo.  Pierre Sprey, um dos “pais” do LWF dizia sem contemplações; “com metade do peso e do custo, vai bater o F-15.  Não é necessária tanta tralha num caça”.

No Verão de 1974 estas quatro nações formaram o MPFG (Multinational Fighter Program Group) e deslocaram-se á capital dos EUA para discutir opções.  Os Americanos sabiam que propor o F-4 Phantom estava fora de questão – era demasiado caro e não era bem o que os Europeus queriam.  O Northrop F-5E podia ser uma proposta interessante (a Noruega já usava o F-5A anterior) mas faltava algo mais moderno e apelativo e que projectasse a tecnologia para as necessidades dos combates futuros.  Os números envolvidos neste potencial contracto não eram despicientes; no mínimo 350 unidades e com fortes hipóteses de mais encomendas – um negócio suculento para qualquer construtor aeronáutico!  Rapidamente se perfilaram os concorrentes; do lado dos Americanos seriam os dois pretendentes do projecto LWF/ACF (F-16 e F-17) enquanto que pela Europa alinharam o Mirage F1, o Eurofighter (não, não é o Typhoon, mas sim uma versão do Viggen apresentada pela Saab) e o Franco-Inglês Jaguar.  Este último cedo ficou fora da corrida – as características de avião de ataque puro não combinavam com as exigências de um caça moderno multifunção.  

O “Eurofighter” (Saab Viggen) podia ser um candidato sério; dispunha de muitas características adequadas ao cenário Europeu mas a tecnologia do avião era, na realidade, dos anos 60 e também faltava “traquejo” comercial e politico aos representantes Suecos.

Nos meses seguintes, muitos contactos, reuniões, visitas, demonstrações, avaliações, jantares e – segundo as más línguas – vários “entretenimentos” opulentos e alguns truques baixos, ocorreram entre os representantes do MPFG e os vários pretendentes ao valioso contracto.  Os Franceses, em particular, eram especialmente criativos a empolar e sobrevalorizar os pontos fortes do seu Mirage e a “deitar abaixo” a concorrência.  Mas era impossível ignorar o facto de que o YF-16 e YF-17 representavam tecnologia mais moderna quando comparados com todos os opositores.  A Northrop, com o seu conhecimento do mercado Europeu, já dispunha de agentes no terreno enquanto que a General Dynamics era mais inexperiente nesse domínio – só abriu um escritório em Bruxelas em 1974.  As implicações financeiras de comprar um avião “estrangeiro” também incomodavam os Americanos mais conservadores porque, caso o YF-16 ou YF-17 fosse o escolhido, as empresas Europeias iriam construir peças para os aviões destinados para a USAF.  Claro que os políticos também se envolveram no assunto, o Primeiro-Ministro Francês Jacques Chirac afirmou que a escolha do produto da Dassault (naturalmente) seria uma forma de cimentar uma verdadeira “União Europeia”…    

O Mirage F1 era outro projecto dos anos 60 mas vinha de uma linhagem de caças com um pedigree insuspeito.  Rápido, potente e polivalente, o representante da Dassault era o concorrente mais perigoso do F-16.  Além do mais, os Franceses eram muito fortes e competitivos nas vendas e usavam todas as armas para ganhar contractos – desde a promessa de enormes contrapartidas financeiras a subornos e/ou pressões políticas sobre os decisores.

Bom, mas todos sabemos o desfecho final desta epopeia.  Em Janeiro de 1975 a USAF declarou o YF-16 como o vencedor do projecto ACF e em Junho as quatro nações da NATO escolheram também o “caça eléctrico” da General Dynamics.  Para os Franceses a afronta dificilmente poderia ter sido pior – o anúncio da vitória do F-16 foi feito durante o Show Aéreo… de Paris!  Depois de uma exibição do Mirage F-1E o piloto de testes Neil Anderson da GD deslumbrou os presentes com uma magnífica demonstração das capacidades do F-16.  Quando aterrou, o lendário Marcel Dassault foi ao seu encontro e disse-lhe;

“Tens aí um belo avião.”

Um elogio mais honroso do que este é difícil de conceber, considerando até que o ambiente no stand de vendas da Dassault era particularmente gélido…

Mas fica o desafio; como poderia a historia ser diferente se o vencedor do “Contrato do Século” fosse outro?  Se o Mirage F1 fosse o vencedor, ficaria a Dassault numa posição de supremacia na Europa?  E se a Saab tivesse ganho com o seu “Eurofighter Viggen”?... 

Foto clássica do quarteto internacional a posar com o justo vencedor do “Contrato do Século”.  Belgas, Noruegueses, Dinamarqueses e Holandeses escolheram o F-16 e nunca mais olharam para trás.  Mas como seria a história hoje se a escolha tivesse sido outra?

Nota: O autor não escreve segundo as regras do actual acordo ortográfico.

Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro


quarta-feira, 19 de junho de 2024

General Dynamics F-16 Fighting Falcon, o “Caça Eléctrico” [M2500 - 45/2024]

 Base Aérea Avançada N1, Shyroke, Ucrânia, 3 Novembro 2024 (Episódio 1)

O Tenente Marko Aliyev, piloto da Brigada Aérea Táctica 40 da Força Aérea da Ucrânia, recorda uma missão típica durante o difícil Outono-Inverno de 2024;

“Eu deveria estar a dormir mas é difícil relaxar nas horas anteriores a uma missão operacional.  Estamos estacionados na base avançada N1 já faz duas semanas e, apesar das condições austeras, não nos podemos queixar.  Esta base, assim como muitas outras espalhadas pela frente, foi preparada meticulosamente para receber os F-16.  Localizada mesmo ao lado da “verdadeira” base de Shyroke, a estrada paralela foi discretamente pavimentada e reforçada para suportar operações de F-16 e as várias antenas de comunicação e ILS camufladas entre as árvores.  Não usamos quase nenhum edifício perto de Shyroke, todos os serviços e aviões estão espalhados e escondidos nas florestas adjacentes.  Mas isso também significa que a preparação para descolar cada avião é bastante mais demorada; as aeronaves são armadas e abastecidas longe da pista e depois rebocadas até ao ponto de partida.  Junto com os restantes preparativos de segurança; como desviar o trânsito e remover uma série de artigos de engodo e obstáculos, é tarefa para uns bons 30 minutos.  Mas para as nossas missões não faz grande diferença.  Ninguém está á espera que façamos missões QRA…  Também recebemos informações de vigilância da NATO; sempre que a órbita de um satélite Russo (ou Chinês) se aproxima toda a área é devidamente “ofuscada”.  Os meios de reconhecimento táctico dos russos são limitados mas, se for necessário, podemos evacuar a base em pouco tempo.  A bateria de NASAMS que nos defende já interceptou dois mísseis cruise russos mas nada indica que tenham descoberto a nossa posição exacta, o alvo seria certamente Zaporizhzhia.”

Idealizado nos céus do Vietname, forjado para o combate no teatro europeu na Guerra Fria nos anos 80 e vindicado nos vários conflitos no Médio Oriente, o F-16 tem lugar de destaque no selecto Panteão dos melhores caças da História.

“A minha missão de hoje é um “serviço Uber” (depois explico) de rotina até Donetsk.  O alvo é um armazém de munições na zona Sul, uma área onde já operamos algumas vezes.  Não sei de onde chegam as informações destes alvos – raramente são mencionadas as fontes.  Mas há quem diga que são fruto das operações SIGINT da NATO no Mar Negro ou talvez os nossos agentes infiltrados (ou apenas simpatizantes) atrás das linhas inimigas.  Bom, pouco importa.  A hora de descolagem será ás 3h00 da manhã, talvez os russos estejam sonolentos ou a recuperar de uma bebedeira.  A configuração será a normal para as missões de ataque; dois “sacos” (tanques externos), duas JDAM de 900kg, dois mísseis AMRAAM e um pod ECM no suporte ventral.  Uma carga ofensiva relativamente leve (fruto das limitações do comprimento e resistência da pista) e combustível mais que suficiente para fazer frente a eventuais desvios e “surpresas” - caso a base N1 esteja inoperacional, será possível voar até uma base alternativa.  As condições climatéricas (e a visibilidade) não são as ideais mas a previsão é de que melhorem um pouco até á hora da descolagem.  Enquanto me ocupo com os últimos preparativos e da papelada surge o Denys Voronin, um dos pilotos mais recentes, e impertinentes, da unidade;

“Vais mesmo sair hoje?  Com este frio?”, pergunta o meliante, com o seu ar de adolescente…

“Alguém tem de combater, piolho.  Também, não está a dar nada de jeito na televisão”, respondi-lhe.

“Qual é o serviço?”

“Uber, até Donetsk.  Um depósito de munições.”

“Ui, cuidado que aquilo anda perigoso…  Diz-me, se não voltares ou ficares prisioneiro, posso convidar a tua namorada para sair?”

Ainda lhe atirei com o sapato mas o rapazola já ia longe.  Depois trato dele, agora são horas de trabalhar.”   

Qualquer missão que sobrevoe território ocupado incorre, naturalmente, mais riscos.  Mas desses riscos também resultam potenciais ganhos e benefícios.  Os F-16 devolveram á Força Aérea Ucraniana a flexibilidade para contrariar e recuperar algum controlo sobre as áreas ocupadas e até conquistar, localmente, superioridade.  As missões de ataque e interdição são determinantes para manter os Russos na incerteza e representam mais de 80% do total das horas de voo.  

“A descolagem foi atrasada 30 minutos.  Dificuldades de coordenação com as missões SEAD obrigaram a reprogramar os pontos de encontro e os “timings” para cruzar a linha da frente.  Pelo menos, durante a espera, o tempo melhorou, resta uma chuva miudinha e uma ligeira brisa vinda de Leste.  A descolagem decorreu sem problemas e passados alguns minutos cruzo o Rio Dnipro.  Confirmo que os sistemas ECM/ESM e códigos IFF estão completamente operacionais – qualquer dificuldade nesta área é razão para abortar a missão imediatamente.  Ninguém quer arriscar ser abatido por um Patriot ou um Aster.  Infelizmente, já perdemos um F-16 (há quem diga dois) num incidente “blue-on-blue”.  Mas outras notícias inquietantes começam a surgir.  Pouco depois de sobrevoar Petropavlivka, e apesar de manter uma altitude muito baixa, o display do ESM indica sinais de VHF.  Mer**!  Outra vez o radar Nebo.  Os russos mantém um radar de longo alcance algures na zona de Luhansk.  Já o tentamos neutralizar várias vezes mas os russos mudam-no de posição constantemente.  No esquadrão é conhecido como o “Olho de Sauron”… “escondido na sua fortaleza o olho vê tudo”…  Ou algo assim, não sou grande fã do Senhor dos Anéis.  Bom, este radar não é uma ameaça imediata mas vai colocar em alerta toda a rede de defesa anti-aérea russa.  Reduzo ainda mais a altitude e faço um desvio de uns 30kms para Sul e atravesso a linha da frente na zona de Krasnohorivka.  Alguns pilotos confessam-me que sentem uma grande sensação de angústia sempre que atravessam a “zona cinzenta” mas eu não partilho desses medos.  Claro que o nível de alerta e ansiedade aumenta, mas não considero estar em “território inimigo”, afinal, estou a sobrevoar a Ucrânia.  Claro que está ocupada pelos russos, mas continua a ser território Ucraniano, a minha casa.  Por isso não sinto tanta angústia.  Ou talvez seja apenas um mecanismo de defesa do meu cérebro.”  

A Base Avançada N1 foi uma de 13 construídas entre Julho e Agosto com a ajuda de equipas da RAF e da Força Aérea Dinamarquesa.  Foi mais tarde rebaptizada como “Base Austin”, em honra do Secretário de Defesa dos EUA.

Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro


domingo, 25 de janeiro de 2015

O ALOUETTE III NO PAQUISTÃO (M1777 - 03RF/2015)


Alouette III um helicóptero do mundo...
Não existem guerras, desde o advento do helicóptero, em que este não tenha desempenhado um papel crucial no seu desenrolar. Não só em guerra, mas também nas missões de paz, de força de paz, ou apenas de auxílio humanitário em caso de catástrofes naturais, e por isso nada seria igual sem a ajuda do helicóptero.
O Alouette III é uma peça fundamental da história dos helicópteros no mundo.

Não haverá muito mais para escrever sobre a história do Alouette III no Mundo, facilmente se depreende porquê: os utilizadores são cada vez menos e as frotas extinguem-se, como aliás por cá também, mais dia menos dia, chegará o fim deste helicóptero, que conheceu, na sua totalidade pouco mais de 2000 unidades construídas, em 74 utilizadores, sobretudo militares, em quase outros tantos países.
Há alguns anos, alvitrei eu escrever a história mundial deste helicóptero, e a história do Alouette III em Portugal, em especial na Força Aérea Portuguesa. Tal escrito, porque gigantescamente maçudo e ainda mais incompleto, nunca viu a luz do dia no local (publicação em revista) nem na sua forma completa, ainda que, em anos recentes tenha visto uma recompilação do mesmo publicada num jornal de aviação, e também no sítio Walkarounds. Devo aqui referir que todo o trabalho foi também já publicado na íntegra, ipsis verbis, e sem dizer água vai, em alguns blogues/sítios de gente que me escuso a classificar por força da minha esmerada educação feita à base de régua de cinco olhinhos e chinelada. [Neste momento sinto a necessidade de me lamentar, qual pintaínho negro de casca na cabeça, bradando aos céus: It’s an injustice, it is!] … Adiante.
Aqui há dias, andava eu à procura de outras coisas nos meus arquivos fotográficos, quando encontrei algumas fotos que fui angariando no âmbito deste trabalho, de alguns Alouette IIIs por esse mundo fora.
Ora é precisamente esse apontamento ilustrado que aqui trago aos leitores e seguidores do Pássaro de Ferro.

O Alouette III no Paquistão

Antes de falar propriamente do Alouette III no Paquistão, e neste processo de recolha de informação, troquei muita correspondência com muitos utilizadores, recebendo alguma correspondência suigeneris, como foi o caso do envelope onde veio a resposta da Força Aérea do Paquistão, conforme atestam as fotos que abaixo. 

 A frente muito “normal”, dentro do género.

A parte de trás um pouco diferente, sobretudo pela certificação, 
atestada pelo próprio representante da Força Aérea do Paquistão, 
que o mesmo envelope não contém explosivos. ... 


Paquistão
A Força Aérea do Paquistão introduziu no seu inventário o Alouette III em 1967 para cumprimento da missão de busca e salvamento.  Na altura, a missão de SAR era efectuada por helicópteros Kaman HH-43B Huskie e Sikorsky H-19D, que foram sendo gradualmente retirados de serviço, passando o Alouette a efectuar inicialmente missões de SAR em terra (sobretudo nas grandes altitudes montanhosas) e mais tarde estendendo à totalidade dos cenários. Os oito aparelhos encomendados foram, uma parte montada no fabricante e os restantes montados no Paquistão.  Estes helicópteros são destacados para as diversas unidades da força aérea, para executarem missões SAR, e curiosamente destacaram-se durante o conflito India-Paquistão em 1971 em missões de busca e salvamento a tripulações caídas em território inimigo, desempenhando autênticas missões de busca e salvamento de combate (CSAR). Muitos militares foram louvados pelo heroísmo, profissionalismo  e coragem  com que desempenharam muito para além da sua missão o salvamento dos compatriotas derrubados, sempre debaixo de fogo.
O Alouette III continua a servir na FA do Paquistão, como até aqui, tanto em missões de paz como em missões de guerra.


 O Alouette III no.5412 em voo junto à costa em Karachi.
[foto: Força Aérea do Paquistão]

 
Uma pintura ilustrando um Alouette III executado uma missão de resgate de um piloto 
abatido em território inimigo, numa espécie de Combat SAR improvisado, que teve 
lugar durante uma das batalhas de guerra entre a India e o Paquistão, em 1971.
 [fonte: Força Aérea do Paquistão]


Um Alouette III do Exército Paquistanês operando em alta montanha.
 [fonte: Força Aérea do Paquistão]

Rui Ferreira

ARTIGOS MAIS VISUALIZADOS

CRÉDITOS

Os textos publicados no Pássaro de Ferro são da autoria e responsabilidade dos seus autores/colaboradores, salvo indicação em contrário.
Só poderão ser usados mediante autorização expressa dos autores e/ou dos administradores.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Laundry Detergent Coupons
>