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sábado, 31 de maio de 2014

MEMÓRIAS DUM MECÂNICO DE ALOUETTE EM ÁFRICA - 2 (M1605 - 178PM/2014)

As evacuações de feridos e mortos em Alouette III

Ler Capítulo 1

Passados alguns dias,  qual não é a minha surpresa: sou colocado na BA10 – Beira. Bem bom, longe da guerra... e a lavar os trens de aterragem dos Nord´s.
Não, não era trabalho para mim. Queria mais, queria viver as histórias que tinha ouvido em Tancos. Era jovem, queria aventuras, queria saber se era verdade o que tinha ouvido.
Por não saber estar calado, tinha mesmo que dizer a todo a gente que tinha o curso de helicópteros. Tinha saudades de voar e o "prémio" foi ir para a Esquadra dos "Índios". A 27 de outubro de 1973 fui por isso transferido para a Esquadra 503.


Fui da  Beira  para Nampula e depois  Nacala, para apresentar-me. Voltei depois a Nampula, onde estava sedeada a Esquadra 503. Dois dias depois estava em Mueda.
No dia que cheguei a Mueda, apareceram os mecânicos e o pessoal todo, para ver o maçarico que tinha acabado de aterrar e para dar as boas vindas.
Levo a minha tralha para o quarto e volto ao hangar. Assim que lá chego e sem tempo de conhecer o Aeródromo de Manobra (NR: AM51), vou com outro mecânico para ser "largado".

Ia com muita energia, cheio de muita vontade de saber e de ver. Curioso com o que ia encontrar. Todo operacional lá vou. Chegamos ao "buraco" (local onde se podia aterrar num matagal que era feito pelo exército). Ainda estávamos altos. Saltei com a maca enquanto o héli aterrava. Com a maca aberta e com o ferido, voltei a entrar no héli, quando vejo a cara do ferido. Tinha um lençol a tapa-lo e ao querer levantar-se, destapou a cara. Fiquei em choque. Via dois buracos no lugar onde em tempos foram os olhos. O cheiro de sangue, pólvora e vomitado. Fiquei sem energia.

Alouettes no AM51 - Mueda

Toda aquela vontade de ajudar que possuía, tinha desaparecido naquele instante. "Meu Deus onde me vim meter!"
Enquanto pensava nisso, agoniado, com vontade de vomitar, puxei pelo meu chapéu e tentei vomitar. Não consegui. Entretanto o ferido queria levantar-se e eu comecei a dar-lhe palmadas no braço, para acalma-lo, para ele sentir que alguém estava perto. Passado pouco tempo estávamos no hospital de Mueda. Enquanto tirávamos o ferido, ele estremeceu e penso que deve ter morrido nessa altura. Regressámos ao AM (mais tarde soube que tínhamos ido para perto de Mocímboa do Rovuma). Eu sem forças, desiludido, só pensava que tinha de passar dois anos naquilo. Eu tão novo, com 20 anos. A minha juventude a ser enterrada na guerra.
Nessa noite fui "julgado". Não tinha vontade de nada, mas tive de aguentar e pagar as bebidas ao pessoal. Habituei-me e depressa. Só tinha que aguentar, pois ninguém iria pôr a minha vida cor de rosa. Estava na guerra.

No dia seguinte, fui ao quartel do exército à procura do meu irmão mais velho acabei por encontrá-lo e a outros amigos da minha infância. Uma surpresa.
Com as voltas todas que tinha dado - Nacala, Nampula - acabei por deixar um par de botas em Nampula. Restavam-me as botas mais usadas, roupas e um par de sapatos. Em Mueda as botas começaram a abrir pela frente e não fui de modas. Toca a cortar a borracha da base e acabo por andar com meia borracha. Que esperteza!!! Tinha de esperar uns tempos até voltar a Nampula, mas não deixei de usar as minhas botas.
No sexto ou sétimo dia, fui fazer uma evacuação a uma picada e trouxemos um soldado morto. Olhei para o par de botas que vinham em cima da maca. Falei com o piloto, mostrei-lhe as minhas botas e não estive com meias-medidas, toca a trocar. Acabei por fazer a comissão com esse par de botas.

Muitas evacuações, reabastecimentos e muitos voos fiz até ao Natal. Voávamos quase todos os dias, era raro não haver movimento no AM. Lembro-me dum fotógrafo italiano que andava com os comandos e com a tropa no mato a fotografar. Várias vezes o encontrei nas evacuações. Numa dessas evacuações, na estrada que ligava Macomia a Chai, numa coluna, uma viatura tinha pisado uma mina anticarro e esse fotógrafo acabou por ser ferido e evacuado.

Quantas vezes estava a almoçar e como estava de serviço tinha de ir, tinha de interromper o almoço. Avisava o cozinheiro que não tinha acabado de comer e ele preparava um bife quando regressasse. Mas por vezes a comida…

A 31 de dezembro de 1973, preparámos petiscos para a passagem de ano. Fizemos uma festa no nosso quarto, outros faziam festa noutros locais (no abrigo, no bar). Eram 6 da manhã quando tivemos de ir fazer uma evacuação (foram dois ou três hélis) perto de Mueda, numa picada que passava por Nancatari. Uns elementos do exército tinham saído de Mueda e tinham ido a Nancatari, levar coisas para os elementos do exército que lá estavam. De regresso foram apanhados por minas ou emboscada. Houve quem visse (Camolas) e mais elementos do AM, pois estavam em cima do depósito de água e conseguiam ver tudo à volta. Deram logo o alerta e aí fomos nós. No meu helicóptero, trouxe um morto. Um enfermeiro, que uma explosão tinha separado o braço do corpo, pelo ombro.
Depois desse dia, até eu sair de Mueda, eram baixas todos os dias. Nas picadas de Pundanhar, Nazombe, Tomba de Nairoto, Omar, Sagal, Mocímboa do Rovuma. 
Muitos foram os locais por onde voei, quer em evacuações quer em reabastecimento.

(Continua)

Texto: Abdul Osman, Ex-MMA




sábado, 24 de maio de 2014

MEMÓRIAS DUM MECÂNICO DE ALOUETTE EM ÁFRICA - 1 (M1595 - 170PM/2014)

O Alouette III sobre a estepe africana

Fui ao jantar dos Índios (NR: Esquadra 503 - Moçambique) em Monsanto em 2004, o meu primeiro encontro com muitos elementos da esquadra que não via há muito tempo. Alguns havia 28 anos.
Entrei, começo a olhar. Quem é quem? É? Será?...
Alguns vou reconhecendo: Queiroga, Azevedo, Braga, Barbosa, Branco, Carreira (que já tinha encontrado em Sesimbra no Verão de 80 e nunca mais nos vimos), Branco que encontrava muitas vezes no cacilheiro) Magalhães, Tavares, Mourão, Oneto, Ferreira Neto e muitos elementos que não reconhecia...
Distribuímo-nos  pelas mesas e oiço o meu amigo Oneto a dizer : "Abdul, passaram-se muitos anos, procurei por ti e nunca soube onde paravas... queria dizer-te uma coisa, que ainda hoje está aqui guardado. Tenho a dizer-te: nunca vi uma pessoa com tanta coragem, como tu tiveste numa evacuação que fizemos na picada do Sagal. Ainda hoje estou a ver-te a andares na picada, com a maca debaixo do braço e debaixo de fogo. Os paraquedistas tinham caído numa emboscada e tinham um elemento ferido,  que foste buscar.  Com um "pára" que estava intrincheirado, os dois meteram o ferido na maca e carregaram-no até ao helicóptero. Nunca vi um ato de coragem tão grande."

Depois de ouvir o que ouvi, pensei "eu fiz isto?!" Fiz tantas evacuações, fui a tantos buracos, a tantas picadas fazer evacuações... Aliás nunca fui sozinho, tinha de ir com um piloto. O risco era sempre dos dois. Passados dias fui à minha caderneta de voo, procurei a data dessa evacuação que foi a 9 de agosto de 1974  (Mueda - Picada do Sagal - Mueda; 15 minutos). Está registado que no dia 9 de agosto fizemos voos operacionais (evacuações) de Mueda para Sagal e volta.

Meu amigo Oneto: se houve um ato  heróico da minha parte, esse ato não foi só meu, mas também teu. Meu por lá ter ido buscar o ferido e teu por estares dentro do helicóptero, à espera. Eras um alvo fácil e durante o tiroteio podias ter sido atingido. Felizmente nada aconteceu. "Alguém" nos protegeu e cumprimos com a nossa missão, que era salvar mais uma vida...
Tinha a minha caderneta de voo bem guardada. Quando lhe mexi, ao ler as datas e locais para onde voei, as recordações começaram a surgir e… vou passar para o papel todos os momento que posso recordar.

Novembro de 1971, estava eu em Lourenço Marques, depois de ter estado dois anos letivos em Tomar. Na conversa com um dos muitos alunos da Escola Industrial, decidimos ir para a Força Aérea Portuguesa (FAP). Queríamos tirar o curso de mecânico de aviões. Esse era o nosso sonho.
Fomos buscar as papeladas e falei com o meu pai, dizendo que queria ir para a FAP pois queria ser mecânico de aviões. Como já tinha os papéis preparados, assinou mas foi dizendo que não gostava muito da ideia.
Em Dezembro desse mesmo ano, fui à inspeção e em Janeiro de 1972, partimos para a Beira para a BA10, onde estivemos uma semana à espera de embarque para Portugal. Depois de uma semana à boa-vida, embarcámos no Boeing 707 da FAP. Nesse voo, veio pessoal que já tinham feito a comissão, outros que iam de férias e uma série de feridos que estavam a ser evacuados. Chegámos a Lisboa de madrugada e numa carrinha, fomos para a Base Aérea nº2, Ota. 
Aí começámos a recruta e em Março fizemos Juramento de Bandeira. Entrámos uns dias de férias e no regresso, sei que não vou para o curso que tinha pedido. Enviaram-me para o curso de comunicações. Chumbei logo no 1º período, pois não conseguia apanhar morse, aquela coisa de traço ponto, ponto, ponto traço etc.

O curso de Mecânicos de Material Aéreo na BA2

Acabei por ir para o que queria, o curso de MMA (Mecânico de Material Aéreo). No fim do curso, em maio de 1973, venho a saber que tinha ficado em 45º lugar entre 60 elementos. Então não?! Pouco estudava, queria passar fins de semana em Lisboa e matava muitos" reforços" (serviço de sentinelas que os instruendos tinham de fazer). Assim ganhava umas coroas.

Tal como os últimos quinze elementos, tinha de ir tirar o curso de helicópteros. Fiquei magoado. Fiquei chateado. Não queria ir para os helicópteros, pois nessa altura ou um pouco antes, tinha sido abatido um helicóptero em Moçambique com seis comandos a bordo. Nessa noite, depois do jantar fui para o bar apanhar uma piela e só dizia "esses fdp querem mandar-me para a morte", até que tive de ir para a cama completamente "anestesiado".

De volta do Artouste IIIB na BA2

Passados dias, lá nos enviaram os quinze para as OGMA em Alverca. Já estava mais perto de Lisboa. Não sei porquê, comecei a gostar de conhecer o Alouette III (ALIII) e fui interiorizando o gosto pela máquina. Fiquei em segundo lugar e houve quem chumbasse, pois não queriam nada com essa máquina. Penso que fomos dez elementos estagiar para BA3 em Tancos. Uns foram para a manutenção, outros para a linha da frente durante uns tempos. Depois  trocávamos. Fui para a linha da frente primeiro, onde conheci muitos mecânicos que já tinham feito a comissão, por isso já tinham bastante experiência. Ouvi muitas histórias. Histórias do que o mecânico e o piloto passavam durante o voo. Comprei um bloco de bolso e "encostei-me" ao mecânico Raimundo, que ao princípio não queria ensinar os segredos da máquina, mas lá acabei por o convencer. Ensinou-me todos os segredos que sabia. Eu fartava-me de tomar nota dos tipos de avaria, o que deveria saber e as causas.
Geralmente as avarias eram no arranque.

Depois do estágio fui colocado no Montijo à espera de embarque para Moçambique. Acabei por embarcar no dia 9 de outubro de 1973 e chegar (a Moçambique) a 10 de outubro. 

Com o curso de manutenção e linha da frente de ALIII e Artouste IIIB (motor) e com o meu bloco de notas, estava pronto e convencido que iria parar a Tete ou a Nacala. 
Entretanto, enquanto espero colocação e estou sem fazer nada na BA10, para matar tempo vou indo ao hangar onde estavam dois helicópteros e começo a conversar com o mecânico que lá estava, o Carlos Alberto, mais conhecido por Joe, a quem tinha dito que tinha o curso de helicópteros. 
Num domingo o Joe vem à minha procura e pergunta-me se queria ir voar. Fazer uma evacuação. Eu disse logo que sim e não pensei em mais nada. Fui voar. Estava nas "minhas sete quintas". 
Fomos para a Cabeça de Carneiro e depois para uma largada de tropas. Isto com dois helicópteros. Passado um bocado, vem um com um cadáver de um soldado, que tinha levado um tiro na nuca e a parte da frente do pescoço tinha desaparecido. Quando vi fiquei impressionado. O Joe veio ter comigo e disse para me ir habituando que isto não era nada. 
Trouxemos o morto até à Beira.

(Continua)

Texto: Abdul Osman, Ex-MMA

sábado, 30 de novembro de 2013

FIAT - O ANJO BRANCO (M1296 - 92AL/2013)

 Fiat G-91 R4, em esquema cinza claro, nas OGMA. Foto Arquivo FAP/Mais Alto.

Um familiar meu combateu na Guiné.
Nas poucas conversas que mantive com ele sobre o assunto, percebi que sempre que via ou ouvia a sobrevoar a nossa aldeia, um jato da Força Aérea, tinha sempre a "esperança" que o dito fosse um Fiat (é assim, apenas, que lhes chama).
Uma vez, por exemplo, lembro de estar junto dele quando sobrevoou a aldeia uma parelha de aviões T-38, algures no meio da década de oitenta, passados já uns bons anos do fim da sua pasagem por aquele território. Como ambos os vimos, ele disse logo que "aquilo são Fiats. São brancos, voam muito rápido e muito baixo!"
Ele disse-o com um ar quase solene e notei nele também alguma inquietação, digamos. Mais adiante explicou-me que sempre que apareciam os Fiats nas ações no meio das matas "sentiamo-nos mais seguros, porque o inimigo tinha-lhe bastante respeito. Para nós era uma forma de nos sentirmos protegidos, porque nunca se sabia o que poderia estar escondido atrás do mato."
Ou seja, o Fiat G-91, que envergou durante vários anos um esquema cinza claro (daí o 'branco'), foi uma espécie de anjo branco que protegia os homens que, no terreno, combateram corpo a corpo, metro a metro, com um inimigo escondido, fruto do fim de um regime e de uma época.

sábado, 16 de novembro de 2013

DESPEDIDA EM NORATLAS (M1273 - 344PM/2013)

Nord N-2501 Noratlas no AB3 - Negage                                                    Foto: Autor desconhecido

Aterragem surpresa

A Esquadra 92 (Luanda) efetuava missões de transporte com maior frequência para o Norte de Angola. Um dos locais mais assíduos era o AB3 – Negage.
Uma dia ao chegar ao destino, num dia de sol esplendoroso, o aeródromo estava tapado com uma camada de nuvens, tipo nevoeiro, teimosamente agarrado ao solo. Já estava para seguir outro destino, quando descubro a ponta da pista a descoberto – quando muito 100 metros mesmo no início da pista.
Informo a Torre que vou tentar. Assim fiz. Mal toquei na pista, fiquei dentro do nevoeiro, mas com a iluminação ligada, a rolagem  foi normal. Segui para o estacionamento.
Aí a surpresa era geral – ninguém se tinha apercebido da aterragem e ainda menos que fosse possível naquelas condições.
Julgo que me consideraram um “herói”… Mas a pista estava lá e … visível.

Nossa Senhora do Ar

Em 2 de novembro de 1975, ainda na BA9 (Luanda), estou encarregado de trazer o último Noratlas - 6415 - de regresso a Portugal.
A Base está praticamente deserta. Resolvo dar uma volta pelas instalações da Esquadra, despedindo-me daquela casa e, quem sabe, encontrar alguma recordação.
Fui bafejado pela "sorte".

Na parede do bar da Esquadra encontrava-se uma imagem que diz alguma coisa aos aviadores e, ainda hoje, se encontra no meu quarto.
Imagem de Nossa Senhora do Ar.

Legenda acrescentada à mão: "Perdoai-lhes porque eles não sabem o que fazem…"


Tenham atenção à legenda que alguém teve a liberdade de escrever e que sempre teve muito de verdade...
Assim, permito-me, apelando a Nª Sª do Ar, desejar felicidades a todos.


Texto: Cap. (Ref) Fernando Moutinho

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Angola


Ultimamente tenho dedicado alguma atenção à descolonização em Angola e gostaria aqui de deixar referência de um livro muito interessante do general Silva Cardoso “Angola. Anatomia de uma Tragédia” (Oficina do Livro, 2000), que além do problema da descolonização angolana, aborda também a passagem deste general da FAP por África. Muito interessante para ver as dificuldades com que a força aérea se debatia na guerra de África.


P.S. Já agora a título de curiosidade sobre este processo outras obras que considero importantes. "Memórias" (Nzila, 2005) de Iko Carreira, general angolano já falecido, que mostra o ponto de vista do próprio MPLA sobre este processo, "Confronto em África - Washington e a Queda do Império Colonial Português" (Tribuna da História, 2005) de Witney Schneidman, um estudo académico e mais distanciado. Outro estudo académico é "Angola, os Brancos e a Independência" (Edições Afrontamento, 2008) de Fernando Tavares Pimenta. Portanto, algumas sugestões de leitura sobre o problema angolano.

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